São Paulo, domingo, 9 de janeiro de 1994
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na toca do FUGITIVO

SUE RUSSEL

Por Sue Russel*
Harrinson Ford, 51, é a antiestrela. Foge de badalações para ser marido, pai e carpinteiro – exerce em casa o seu antigo ofício. Lacônico, diz que é mero prestador de serviço e não tem uma vida fascinante. Mas, querendo ou não, é um astro de verdade, na tradição de heróis eternos como Gary Cooper ou Cary Grant

– Sua mania pelo anonimato parece ser levada às últimas consequências. É verdade que você só muda seus hábitos de ermitão por insistência de sua mulher (a atriz Melissa Mathison, 42)?
– Temos amigos, mas não temos muita vida social, nós dois temos uma personalidade parecida.
– A lenda criada ao seu redor é a de um homem solitário.
– Não é que vivo na felicidade total, mas também não sou um ermitão. Tenhos alguns bons amigos. Boa parte daquilo que dizem a meu respeito acontece porque eu projeto a minha intimidade e as pessoas não têm assunto para escrever.
– Por que essa distância da imprensa?
– Não acho necessário dar explicações. Ponho-me à disposição da imprensa quando tenho o que contar aos meus clientes. E, mesmo assim, não acredito que o que eu possa dizer sirva para alguma coisa. Não sou tremendamente fascinante, nem uma cebola com camadas e mais camadas de personalidades para serem descobertas. O mais interessante é meu trabalho.
– Por que não gosta de se definir?
– Não tenho cor favorita, ou sabor de sorvete, nem um filme de que mais gosto. Prefiro não ter favoritos. Gosto de contrastes. Se enumero os meus dez atores favoritos, me sentirei um imbecil mais tarde por ter esquecido um ator fantástico. Não tenho heróis. Gosto de coisas muito diferentes e tenho medo de parecer didático.
– Você não gosta de ser uma celebridade?
– Me considero um trabalhador do setor de serviços, um produtor de parafusos que não tem admiradores, só clientes.
– Ao contrário de outros astros que encabeçam campanhas ou movimentos, você não revela suas convicções. Por quê?
– Muitas dessas coisas são importantes demais para se lutar por elas no campo de batalha da celebridade.
– Seu itinerário como ator é parecido com o de Clint Eastwood: os melhores papéis vieram depois dos cabelos brancos. O que acha das atuações dele?
– O filme de Clint Eastwood ("Linha de Fogo") me pareceu excelente, mas é o único filme que vi desse veterano.
– Você vai pouco ao cinema?
– Para ir, tenho que sair de casa, pegar o carro... Prefiro ficar em casa. Além disso, não desfruto da maioria dos filmes. Sou muito exigente e os filmes me parecem descuidados.
– A série de TV "O Fugitivo", base do seu filme, foi ao ar por quatro anos. O que você acha dela?
– Não assisti a um só episódio. Só uma ou outra cena, enquanto passava de um canal para outro. Mas creio que David Janssen era um grande ator e que a série era cativante.
– Você é uma vítima do perfeccionismo?
– Exijo tanto de mim quanto os outros exigem?
– Você fica satisfeito com seu trabalho?
– Sou muito crítico e sempre penso que posso fazer melhor. Mas não aspiro a ser perfeito. Não estou certo de que a perfeição seja um bom fim. Encaro de um modo prático. Sou capaz de ver a mim mesmo e de ser objetivo. Não tenho outra ambição além de, filme após filme, fazer o melhor que posso. Mão me castigo pelos erros que cometo. Creio que são inevitáveis. Os fracassos são eternos, imensos, e esse é o preço que se deve pagar.
– Quando você empreende a fuga, em "O Fugitivo", vai barbeado, usa óculos e tinge o cabelo de preto. Mas, no começo do filme, esconde o rosto por trás de uma barba. Por que optou por essa mudança de imagem?
– O estúdio não gostou da barba. Pagaram pela minha cara e queriam que aparecesse alguém conhecido. Mas eu queria a barba. O papel exigia que me disfarçasse e eu poderia ter feito como nos filmes de Peter Sellers: um nariz falso, óculos, chapéus e coisas desse gênero. Mas a idéia não me agradava. Buscava algo mais simples. Não queria que o filme tivesse esse ar teatral. A história ficou realista.
– Sua casa fica em Jackson Hole, Wyoming, lugar onde a cidade mais perto tem só um semáforo. Você quis se exilar?
– O que me atraiu foi a paisagem, incrivelmente bela, um lugar calmo para criar meus filhos, onde as pessoas não se importam muito com o que faço para ganhar a vida, e onde posso construir uma vida familiar fora da cidade. Sempre quis abandonar a cidade. Tenho essa ambição desde pequeno. Mas tive que viver na cidade durante um tempo, para conseguir o meu lugar na profissão e fazer negócios. Agora não tenho que fazer negócios, só faço pelo telefone. E mesmo não vendo nenhuma outra casa do local onde moramos, estar a dez minutos da cidade não significa que estejamos exilados. Nós pertencemos a essa comunidade. Meu filho e minha filha têm amigos aqui. É como uma pequena cidade.
– Além dos filhos adultos do primeiro casamento, você tem agora Malcolm, 6, e Georgia, 3. É diferente ser pai aos 50?
– Nâo é agradável ver bebês criando bebês. É muito melhor agora. Tenho mais paciência, menos ansiedade e mais experiência. Assim, estou melhor preparado.
– Foi sua mulher quem o fez amadurecer?
– Para sobreviver neste negócio é preciso encontrar a mulher adequada. Com a qual se pode conversar ou se deseja conversar. E com a qual se pode rir.
– Planejam trabalhar algum dia juntos?
– Temos interesses diferentes. Passamos muito tempo juntos e falamos de nosso trabalho. Mas parte do segredo é deixar o trabalho fora de casa. Melissa conhece meu pensamento e segue sua carreira de um lado e eu do outro. Falamos muito disso e das coisas que fazemos e nos ajudamos mutuamente. Claro que gosto do trabalho dela e gostaria de trabalhar com ela algum dia, por que não?
– O que acha das sequências de filmes?
– Me assustam. Nunca me comprometi a fazer a continuação de um filme. Faço filmes um a um.
– E a continuação de "Indiana Jones"?
– Nunca diga nunca, jamais.

* DO "EL PAÍS"/TRADUÇÃO DE LISE ARON

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