São Paulo, terça-feira, 11 de janeiro de 1994 |
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Ferrato flagra guerra cotidiana da mulher
ANA MARIA GUARIGLIA
Fotógrafa desde 1980, Donna, 44, trabalhou para a agência Black Star, uma das mais conhecidas nos EUA, e hoje é fotógrafa independente. Em 1981, foi indicada pela editoria japonesa da revista "Playboy", para documentar a vida glamourosa de casais norte-americanos. Ao contrário, acabou registrando cenas reais de um espancamento, em que o marido acusava a mulher de ter escondido seu inalador de cocaína. A partir dos incidentes, Donna passou a flagrar cenas da violência doméstica sem montagens, truques ou encenações, localizando casos em hospitais, abrigos femininos, casas de família e prisões. Por seu trabalho, recebeu os prêmios Eugene Smith, Robert F. Kennedy e o Kodak Crystal Eagle, e, há dois anos, fundou o DAAP - Domestic Abuse Awareness Project (Programa de Conscientização sobre o Abuso Doméstico). Com exclusividade, Donna falou à Folha sobre o significado de seu trabalho e os objetivos da documentação fotográfica. * Folha - Você teve razões pessoais para fundar o DAAP? Donna Ferrato - Sim, porque era uma oportunidade para usar minhas fotos com a finalidade de educar homens, mulheres e crianças. Através das imagens, as pessoas entendem que a violência é um mal social. Em um ano, com as exposições itinerantes, levantamos US$ 200 mil, para ajudar os abrigos de mulheres nos EUA. Neste ano, vamos realizar uma das maiores campanhas, o New York City Violence Watch. Vamos apontar as câmeras para investigar e registrar a violência contra as mulheres e crianças. Folha - Então, você não se limita apenas a fotografar, mas também investiga e acompanha os casos de violência? Donna - Antes de fotografar, quero conhecer as histórias e segui-las de perto. Faço entrevistas e anotações e acompanho todo o caso, mantendo um cadastro de todas as pessoas no DAAP. Em uma das reportagens, fiquei 72 horas dentro de uma prisão de mulheres, convivendo com os problemas delas. Enfrento a violência fotografando-a. Folha - E as fotos podem denunciar a violência, sendo, ao mesmo tempo, o antídoto para acabar com ela? Donna - Observando as imagens, você há de convir que a violência precisa acabar. Elas são as evidências das estatísticas e das reportagens dos jornais. Folha - No livro "Living with the Enemy", as cenas chocam e emocionam. Como você faz para fotografá-las? Donna - Eu me misturo com as cenas e minha presença se reduz ao mínimo, enquanto a câmera se transforma num instrumento de trabalho. No fundo, as pessoas mal percebem que estou ali, tanta é a dor e o sofrimento. Folha - Com esse tipo de foto, alguma vez você teve problemas com a censura, como aconteceu aos trabalhos de Mapplethorpe, que teve suas obras proibidas em Washington? Donna - Nunca tive esse problema, porque as fotos não são sensacionalistas como as de Mapplethorpe. Ele aborda fantasias sexuais, coisa muito íntima e que não está ao alcance de todo mundo. Além disso, ele faturava alto. Minhas fotos são universais e não são frutos das minhas fantasias. Só as comercializo para a fundação, sem fins lucrativos. Pertenço a um país estranho: mostramos e vivemos o esplendor da sexualidade, mas a todo momento, ela vem misturada com o sensacionalismo da violência, que invade a mídia, o cinema e a TV, afetando a cabeça das pessoas. Folha - Na sua linha de trabalho, você adotou alguma tendência fotográfica? Donna - Como fotojornalista, busco a verdade e registro a realidade tal como ela é. No meu íntimo, gostaria de captar o que é bonito, como os instantâneos poéticos de Cartier-Bresson; mas tenho que mergulhar no mundo da violência em família e registrar as mulheres e crianças espancadas. Essa linha de trabalho também é a de Philip Jones Griffiths, que desenhou meu livro. Folha - Griffiths esteve na guerra do Vietnã, foi presidente da agência Magnum e é companheiro do brasileiro Sebastião Salgado. Ambos são fotojornalistas e retratam os problemas do ser humano. Qual deles você segue? Donna - Gosto de Sebastião Salgado, mas a obra dele não me inspira, porque ele romanceia demais as imagens do sofrimento e ganha muito dinheiro com isso. A documentação de Griffiths me comove e me inspira. Ele retrata o cotidiano, envolve-se com as pessoas e pode passar dias conhecendo-as para fotografá-las. Mas ele não vive do comércio dessas fotos. Acho Griffiths um dos mais importantes fotógrafos de nossa época. Folha - Você está a par da violência no Brasil? Donna - Quando me perguntam qual é o país mais violento da América, respondo que é o Brasil. É cem vezes mais violento que os Estados Unidos e as mulheres não têm leis que realmente as protejam. Sei que os homens podem livrar-se delas, até matá-las e, ainda assim, saírem livres. Folha - Sua fundação estaria disposta a ajudar o Brasil? Donna - Sem dúvida, e gostaria que fizesse constar em sua reportagem que minhas fotos estão à disposição, sem nenhum custo, dos órgãos e grupos que cuidam da violência contra a mulher. Eles poderão promover exposições, com o objetivo de levantar fundos para os abrigos e delegacias que cuidam da mulher e também da recuperação dos homens, e para fins educacionais nas escolas, hospitais e prisões. Hoje, excepcionalmente, deixamos de publicar a coluna de Arnaldo Jabor Texto Anterior: Vocalista do grupo Red Hot Chili Peppers é censurado nos EUA Próximo Texto: Álbum registra o medo e a dor Índice |
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