São Paulo, terça-feira, 11 de janeiro de 1994
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Imprensa e preconceito

GILBERTO GERALDO GARBI

Tive muitos desapontamentos com a chamada grande imprensa nestes anos em que presido a NEC do Brasil. São evidentes o direito e o dever que ela tem de questionar negócios de natureza pública. Entretanto, desapontou-me ver que assuntos aos quais estive ligado não foram tratados sob a luz da verdade, mas submeteram-se a preconceitos e superficialidade, em tendenciosa ação para justificar prejulgamentos. Sendo claro e direto: a NEC do Brasil faz parte das Organizações Globo; quando um tema que nos toca cai nas redações, prejulga-se e parte-se para a produção de provas, dentro do melhor estilo dos regimes totalitários.
Alguns exemplos ilustram o que acabo de dizer. Em 1989, a Telebrás realizou concorrência para os sistemas de telefonia celular de São Paulo, Rio e Brasília. Abertas as propostas, constatou-se que nossos preços eram os mais baixos nos três casos. Após julgamento por uma comissão técnica, a Telebrás cancelou a parte referente a São Paulo, adjudicando a obra do Rio à NEC e a de Brasília ao segundo colocado em preço.
Os fatos eram cristalizados, mas a Folha publicou matéria levantando suspeitas de que fôramos favorecidos pelo ministro Antônio Carlos Magalhães. Aborreci-me com aquela leviandade e telefonei ao ombudsman do órgão, convidando-o a vir à empresa e inspecionar a documentação. Recebi a visita de um jornalista, a quem entreguei os documentos, ingenuamente seguro de que a Folha retrataria os fatos. Meu desapontamento veio quando o jornal publicou matéria sob o título aproximado "Nenhum concorrente atendeu ao edital", advogando a anulação da concorrência.
O que houvera? Um processo de tal complexidade tem centenas de detalhes, alguns mandatórios e outros de importância secundária. Perdida em uma das centenas de páginas do relatório da comissão, o jornalista, que procurava pêlo em casca de ovo, encontrou uma observação de que, em um item julgado irrelevante, os proponentes apresentaram alternativas satisfatórias, mas diferentes do edital. Foi o suficiente para que a Folha fugisse ao reconhecimento do erro que cometera e voltasse a atacar.
Em 93 houve a polêmica da telefonia celular em São Paulo. Demos o menor preço e ganhamos a licitação. Um dos licitantes alegou que a NEC não detinha a tecnologia do Roaming Automático, o famoso IS-41B. Luís Nassif foi imparcial, mas Janio de Freitas sucumbiu aos preconceitos, incursionou em assuntos técnicos e nos bateu forte.
Chegou a escrever: "Veremos se a NEC foi capaz de implantar em São Paulo o tal IS-41B ou se vão acontecer os previsíveis recursos de protelação e dispensa de multas". Cumprimos os prazos e implantamos o IS-41B. Levei jornalistas, inclusive minha amiga Elvira Lobato, da Folha, para mostrar o funcionamento do IS-41B. Nem uma só palavra foi publicada sobre o fato de termos comprovado o domínio da tecnologia contestada. Não somos notícia quando perdemos concorrências ou quando cumprimos o que prometemos...
Finalmente, houve a polêmica da concorrência de centrais da Telebrás. Um dos licitantes, com base na lei de Gerson, pretendia importar equipamentos via Manaus, fugindo dos impostos que no sul pagamos pesadamente. Protestamos contra aquilo, demos à imprensa as informações, mas não tivemos apoio. Entramos na Justiça contra a Telebrás (faríamos isto se contássemos com as benesses que dizem que temos?) e ganhamos. Durante a batalha, o governo emitiu uma legislação pondo fim ao descalabro do corredor de importações de informática em Manaus. O noticiário somente apontava quatro empresas como "beneficiárias" do fim da orgia manauense, como se tivéssemos recebido algum favor do governo. Pouco depois, regulamentando a nova Lei de Informática, o governo definiu critérios para isenção do IPI de centrais telefônicas. O beneficiário integral é o sistema Telebrás pois não ficaremos com um só centavo da isenção.
Entretanto, o irrepreensível Clóvis Rossi escreveu furiosa coluna acusando o governo de ter dado um presente de US$ 600 milhões à NEC, Ericsson, Equitel e Alcatel. Telefonei indignado e explicou-me que "a isenção lhe parecera algo para agradar a uma poderosa empresa sueca ou a uma indústria ligada à Rede Globo". "Tu quoque", Clóvis, sucumbindo ao preconceito e prejulgando sem aprofundar-se?
Para ser justo, devo declarar minha opinião de que "O Estado de S. Paulo" e o "Jornal da Tarde" levaram o troféu leviandade e preconceito na cobertura da concorrência da Telebrás, cujos preços nem foram abertos. Ninguém sabe qual dos cinco proponentes ofereceu a quotação mais baixa, mas o "O Estado", em nota do dia 31/12/93, chegou a dizer que a AT&T foi a vencedora. O "Jornal da Tarde", em delirante editorial de 6/01/94, afirma que os preços da AT&T eram três vezes mais baixos do que o dos fabricantes locais. O papel da grande imprensa realmente aceita tudo...
Armados de veículos poderosos, jornalistas sentem-se acima do bem e do mal e juízes das mais complexas causas, para as quais não têm preparo. Bom seria para o país que, no exercício de suas funções, cultivassem duas qualidades essenciais em um juiz: humildade e desapego a preconceitos.
Começariam, então, a distinguir-se dos mortais comuns, como pretendem.

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