São Paulo, sexta-feira, 14 de janeiro de 1994
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A oportunidade da revisão

ANTONIO CARLOS QUEIROZ

O Brasil está diante de uma oportunidade que, como vez ou outra acontece, é interpretada por alguns como um dilema: a Constituição pode ou não ser revista por um Congresso que apura responsabilidades de seus membros em desvios de verbas do Orçamento federal?
A análise do momento político e econômico do país não concede espaço à essa dúvida. Os trabalhos da CPI do Orçamento têm extrema importância para verificação do grau de manipulação dos recursos públicos. No entanto, o país não pode ficar parado até o término das investigações. Mesmo porque, a se seguir nesse diapasão, haverá amanhã as eleições presidenciais, instauração de novas CPIs e outros eventos que poderão ser utilizados pelos que adotaram a tática protelatória para lançar o mesmo mote: não há clima para a revisão. Na verdade, já perdemos tempo demais para retirar ou modificar dispositivos da Constituição que a realidade revelou caducos.
Para um país que trabalha por sua inserção na economia mundial, quer se integrar ao Mercosul e precisa avidamente de recursos para relançar a economia e gerar empregos, é um contra-senso manter na Constituição restrições ao capital externo. A Constituição brasileira limita ou proibe a participação de capital estrangeiro na mineração, telecomunicações, petróleo, mídia, transporte marítimo, saúde e bancos. Somos os campeões em restrições ao investimnto externo.
Como vários países já comprovaram, é muito mais eficiente ditar condições especiais na lei comum para investimentos externos do que estabelecer barreiras constitucionais. Enquanto um é específico, o outro é genérico. Enquanto um permite rápidas adaptações às alterações macroeconômicas, o outro é rígido, imutável, proibitivo.
O mundo passou por importantes e fundamentais modificações nos últimos cinco anos, período em que está em vigor a atual Constituição. O fim da bipolaridade Leste/Oeste, novas tecnologias, novos pólos de irradiação e de atração de capital, conceitos mais modernos de convivência entre nações e do papel do Estado, a valorização do conhecimento e da cidadania são aspectos que estão na base dos que pedem a reforma da Constituição. Para tornarmos o Brasil mais forte, precisamos antes modernizá-lo.
Não há porque temer vícios ou incorreções na reforma constitucional apenas pela razão de que há investigações em curso. É através do debate democrático que poderemos avançar. Assim como demos um exemplo de civilidade ao mundo ao votarmos o impeachment –um presidente foi afastado sem qualquer dano à tranquilidade social–, estaremos mostrando nossa maturidade democrática ao prosseguirmos com a revisão constitucional, independente dos rumos da CPI. Afinal, o que se pretende é achar e punir os culpados pela manipulação de verbas e não toda a sociedade, já bastante penalizada por esses cinco anos de poucas perspectivas.
O deputado Ulysses Guimarães, na cerimônia de promulgação da Constituição, observou que ela era a guardiã da cidadania. É certamente isso o que todos pretendem. Embora o capítulo da Ordem Econômica e Financeira, pelas restrições criadas, centralize a atenção da sociedade, há vários outros pontos, como a organização do Estado, representatividade eleitoral e modelo tributário, que podem e devem ser aperfeiçoados.
Esta é a grande oportunidade de mostrarmos ao mundo que aprendemos com os erros do passado. Sem perder a sua soberania, de forma democrática, o Brasil pode, com a revisão constitucional, retomar a sintonia com o desenvolvimento e o progresso econômico e social, resgatando o pior dos nossos males: a miséria e a falta de perspectivas de grande parte da população brasileira.

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