São Paulo, sexta-feira, 14 de janeiro de 1994
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Clint Eastwood faz desta vez um filme imperfeito

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Num mundo perfeito, o mais novo filme dirigido por Clint Eastwood seria melhor ou igual ao anterior, "Os Imperdoáveis". Por ser absolutamente imperfeito o mundo em que vivemos, ele não apenas é inferior, muito inferior, a "Os Imperdoáveis" como não leva vantagem sobre os outros filmes, de autoria alheia, que o roteirista John Lee Hancock misturou no seu liquidificador. Sem forçar muito o palato, reconheci meia dúzia de ingredientes. E de marcas tão variadas como Stone, Petersen, Weir, Davis, Spielberg, Stevens, Wenders e Huston.
Outono de 1963. Dois criminosos fogem de um presídio no Alabama, roubam um carro e rumam para a fronteira texana. Um deles, Butch Haynes (Kevin Costner), leva todas as vantagens sobre o outro, Terry (Keith Szarabajka) que, além de psicopata e tarado, tem pavio curto. Este morre cedo, depois de se engraçar com o refém –Phillip (T.J. Lowther), menino de sete anos raptado de uma casa onde as Testemunhas de Jeová plantaram suas crendices–, deixando Haynes e o refém sozinhos, não como algoz e vítima, mas como mestre e discípulo, pai e filho. A persegui-los, o xerife mais "cool" do Texas, Red Garnett (Eastwood), a bordo de um furgão especialmente reservado para acompanhar a carreata do presidente John Kennedy pelas ruas de Dallas.
Máscara
As pitadas de "JFK" (de Oliver Stone) e "Linha de Fogo" (de Wolfgang Petersen), de tão ligeiras, são logo abafadas pelos temperos mais fortes de "A Testemunha" (de Peter Weir): criança e adulto envoltos em perigo num contexto rural marcado por preconceitos religiosos. E também pelos condimentos de "O Fugitivo" (de Andrew Davis), que, de tão óbvios, dispensam enunciação. Ao Steven Spielberg de "A Louca Escapada" (The Sugarland Express), Hancock ficou devendo uma série de pequenos detalhes. Nem os dividendos simbólicos do ursinho de pelúcia, aqui substituído por uma mascára do fantasma Gasparzinho, ele desprezou.
Conforme avança a louca escapada, Haynes vai ensinando a Phillip todas as espertezas deste imperfeito mundo –até a roubar e puxar o gatilho de um 38 o menino aprende. Aqui Hancock meteu a mão na despensa de George Stevens. Quando, na cena final, Phillip acena de um helicóptero para o corpo inerte do bruto que tanto demonstrou amá-lo, me lembrei de Brandon De Wilde gritando "Shane! Volte Shane!". Curioso: até os nomes –Haynes, Shane– são parecidos.
Carente
Na medida que todas as suas vilezas foram cometidas num passado que o filme não mostra, Haynes, filho de prostituta, pai desconhecido (daí sua identificação com Phillip), atravessa "Um Mundo Perfeito" como um bandido tão adorável quanto Robin Hood (ou Shane). E tão carente quanto um andarilho de Wim Wenders. Em vez de sonhar com Paris (Texas), ele sonha com um lugar qualquer do Alasca, onde seu pai estaria recolhido. Ficará no desejo, pois ao cabo de 2h16 de perseguição, um tiro fatal, também na barriga, lhe reserva um desfecho, até nas tonalidades liricas, parecido com o do personagem de Sterling Hayden em ("O Segredo das Jóias", de John Huston).
O que teria levado Eastwood a se meter com um colcha de retalhos como esta?
Indefinição
Ainda que dirigido com bastante competência, "Um Mundo Perfeito" não se define como "thriller" nem como drama intimista. Pegando vários atalhos, qual seu herói-bandido, não chega a lugar nenhum. Talvez haja nessa, digamos, indefinição um indício de originalidade. Mas nela eu só consegui perceber o lado negativo. A despeito de alguns momentos inspirados, "Um Mundo Perfeito" segue docilmente a linha de montagem hollywoodiana. Não era bem assim que se podia esperar de Eastwood após o revisionismo de "Os Imperdoáveis".
O melhor do filme, acredite, é a interpretação de Costner. Ele nunca esteve tão bem diante das câmeras. Eastwood pouco tem a fazer e Laura Dern (cujo personagem contribui com o tempero feminista) só não supera em caretas o menino T.J. Lowther. No pouco tempo em que fica em cena Keith Szarabajka ajuda a reforçar a impressão de "déja vu" deixada pelo filme. Afinal de contas, ele é uma mistura de Dan Duryea com Howard Hughes (sem bigode).

Filme: Um Mundo Perfeito
Diretor: Clint Eastwood
Elenco: Kevin Costner, Clint Eastwood, Laura Dern
Onde: a partir de hoje, nos cines Ritz, Eldoriado 1, Liberty, Paulista 2, Interlagos 1, Jardim Sul 1, West Plaza 1, Continental 1, Tamboré 2, Center Norte 3

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