São Paulo, domingo, 16 de janeiro de 1994
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Insensibilidade ou fuga

JANIO DE FREITAS

O sentido, o alcance e os efeitos do proposto adiamento das CPIs que estão por se iniciar –o que despacharia para futuro incerto e improvável a CPI da CUT, sim, mas também a da empreiteiras e a do financiamento das campanhas eleitorais– ou não estão bem avaliados pelos líderes partidários que o apóiam ou estão bem calculados demais. Nos dois casos, os resultados são os mesmos. E refreadores do tão propalado processo de moralização pública.
O motivo alegado para o pretendido adiamento é que o Congresso está paralisado pela CPI do Orçamemnto e, com outras CPIs, assim continuará, mas é preciso votar o acordo fiscal, o Orçamento da União e a revisão constitucional. O Congresso, porém, não está paralisado pela atual CPI.
O acordo fiscal e o Orçamento vão tendo a tramitação regular, porque os encarregados disso estão agindo. Se a revisão não deslancha, é só porque não consegue superar os engasgos em que a meteram os que a forçaram. Se líderes partidários sentem falta de condições para o funcionamento corrente do Congresso, o que estará faltando são condições morais para o Congresso funcionar paralelamente às explosões, diárias mas ainda insuficientes, de barbaridades havidas no seu interior. Explosões que não se devem à CPI, mas aos congressistas, pelas práticas de uns e pelo silêncio consentidor de outros.
Autor da proposta de adiamento, o senador Mário Covas está entre os que põem a revisão constitucional acima de tudo e, de quebra, é do PSDB de Fernando Henrique. Fica evidente, assim, que a finalidade do adiamento é deixar todo o campo aberto só para a revisão, o que a forçaria a afinal realizar-se. O adiamento não se limitaria a esta possível consequência, no entanto. E, não por acaso, foram os outros efeitos que levaram a rápidas adesões à proposta.
Na melhor hipótese, o adiamento veio representar a interrupção de um processo que corresponde a profundo anseio da população e, mais importante ainda, a uma necessidade fundamental do país. Não há plano, porgrama, revisão, nada que possa frutificar se não for atendida a necessidade de moralização política, administrativa e econômica. Criam-se álibis, por exemplo, para a inflação –é o déficit público, é o Orçamento, são as estatais, é a sonegação, são os oligopólios. Nada disso é mais do que efeito da mesma causa: o desregramento dos costumes públicos e privados pelo feliz casamento de corrupção e impunidade. Aos solavancos e forçadas por imprevistos, as circunstâncias enfim favorecem algum cerco a tal desregramento. Sustar as novas CPIs será dissolver o cerco, em afronta direta à opinião pública e à necessisdade do país.
Mas para grande alívio de muitos. A CPI do financiamento de campanhas eleitorais põe em risco uma quantidade inimaginável de congressistas, aqueles ainda incontáveis que usaram o pretexto da ajuda financeira para enriquecer com as supostas sobras e para proporcionar, a título de retribuição compartilhada, assaltos aos cofres público e à pobreza de dois terços da população. Neste caso, o adiamento das CPIS será, para todos, mais uma fuga à responsabilidade de salvaguardar moralmente o Congresso e, para boa parte dos congressistas, uma fuga ao risco de desnudamento. Já por aí se explica a adesão entusiasmada à proposta de adiamento.
Mas não termina aí a razão do entusiasmo. Em outubro, a CPI do Orçamento anunciava que ia quebrar o sigilo das contas de empreiteiras envolvidas com a corrupção no Congresso. Daqui a uma semana a CPI divulgará o seu relatório com numerosos parlamentares indiciados. Mas não com os corruptores, que sequer foram incomodados por mais do que um só recolhimento de papéis –aliás expressivo, pelo que rendeu, do quanto havia a ser investigado em outras empreiteiras. E é este quanto que o adiamento viria a proteger.
Para atenuar a má impressão projetada pelo adiamento, os líderes partidários que o apóiam adotaram, em reunião na quinta-feira, também um prazo hipotético para o adiamento: as CPIs seriam instaladas quando concluída a revisão. Ou seja, em 15 de março. Aí mesmo é que não haverá CPI sobre financiamento de campanhas eleitorais e sobre as financiadoras empreiteiras. Aquela altura, as campanhas para as eleições deste ano já estaram em pleno curso. E por isso nem a CPI da CUT é desejada por todos os adversários da candidatura de Lula: muitos não escondem o temor de que, não sendo descobertos fatos gravemente comprometedores, a CPI resulte em atestado de honorabilidade da CUT, do PT e de Lula, em plena campanha eleitoral.
O adiamento, a ser submetido a decisão final no dia 25, é contra tudo o que interessa ao país.

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