São Paulo, quarta-feira, 19 de janeiro de 1994
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Balthus critica a democratização da arte

CRISTINA CARRILO
DO "EL PAÍS"

O "Don Quixote da pintura" é como gosta de se chamar Balthazar Klossowski de Rola, o conde pintor que adotou o nome de Balthus. Membro da nobreza polonesa, nasceu em Paris em 1908. "Nasci com uma multa de 200 francos franceses. Meus pais se esqueceram de me increver no cartório e quando foram me batizar, tiveram que pagar". Quiseram dar-lhe o nome de Balthus, mas como tal nome não existia optaram por Balthazar. E o que não lhe foi permitido pela via oficial, ele estabeleceu pela liberdade artística.
Desde 1977 vive em plena montanha, em uma localidade suíça perto de Montreux, num majestoso chalé com 120 janelas que no século 18 era uma pensão onde Victor Hugo se hospedou. A construção é toda de madeira, e tudo o que o rodeia está próximo do universo dele, ao seu panteísmo místico, ao seu fervor pela natureza. Com 85 anos fuma constantemente, e a casa está cheia de cinzeiros com cigarros que ascende um depois do outro. Com uma lucidez e humor inusitado fala sossegadamente ligando idéias com recordações.
O pintor concedeu ao "El País" uma de suas raras entrevistas.
*
Pergunta - Como o senhor, que sempre se manteve em um mundo à parte, concebe a pintura?
Resposta - Tenho uma idéia muito artesanal da pintura; hoje esse aspecto se perdeu. E sem dúvida, essa é a única maneira de poder expressar algo profundo. Antes existiamdadeiros mestres e a pessoa se dirigia e eles e eles a ensinavam. A pintura é uma forma de viver, de perceber a vida. Quando se é pintor, tudo é visto em termos de pintura. Olho as pessoas, o formato da cabeça delas, o tom de pele, um objeto... e tudo me leva à mesma pergunta: como traduzi-lo em pintura?
Pergunta - Seus pais tinham relações com o mundo da pintura, você cresceu rodeado por artistas.
Resposta - Meus pais não me ensinaram nada a respeito. Sempre pensei ser pintor. Comecei bem novo, fazendo cópias nos museus, no Louvre, e depois fui para a Itália. Era o espírito da época. Me lembro de Pierre Bonnard dizendo a meu pai: "E sobretudo não o mande para uma escola de pintura". Meus pais se opunham a me mandar a uma escola porque não havia verdadeiros mestres, só academias. Aprendi tudo em museus, igrejas. Quando tinha 18 anos fui para a Itália e copiei Tiziano, Masaccio. Fiquei alguns anos ali.
Pergunta - O fato de estar à parte o faz sentir-se marginalizado?
Resposta - É verdade que as pessoas que me rodeavam na época não eram pintores figurativos. Tinha uma comunicação indireta e às vezes até um pouco forçada com eles. O único com o qual tinha algo em comum era com Giacometti. Toda a pintura é abstrata no sentido de que realizamos uma abtração. Ainda que possa me aproximar daquilo que chamamos de realismo, em realidade creio que isto não existe. É certo que houve pessoas como Coubert, mas nem ele o era.
Pergunta - De onde vem seu interesse pela arte oriental?
Baltlhus - Da infân meu contato estreito com a natureza e a montanha na Suíça. Lembro de um dia de inverno que olhava pela janela e via as coisas aparecerem e desaparecerem. Mais tarde, por acaso, caiu em minhas mãos, em uma biblioteca de uns amigos, um livro sobre a pintura do Extremo Oriente e fiquei estupefato ao sentir nesta pintura o mesmo que havia sentido ao olhar pela janela. Ali os artistas têm uma visão universal da natureza e o homem é muito pequeno na pintura chinesa.
Pergunta - Em Roma se consolidou sua amizade com Fellini.
Resposta - Ele era um ser extraordinário, de uma personalidade exuberante, ótima, única. Realmente vivia o cinema. Nosso reencontro em Roma foi mais cinematográfico na Vila Médicis. Dizia que eu gesticulava com minha simples presença. Dizia a meu respeito algo que adorava (me mostra um trecho escrito por Fellini): "A imagem que tinha de Balthus foi confirmada, iniciante e sacerdotal, como um guardião de um patrimônio onde o tempo depositou as seditentações da cultura da arte. A lição de Balthus é, como dizia Michelangelo, que o único real é o possível". Ambos temos em comum, entre outras coisas, o desejo de mostrar e falar de um universo familiar, do que nos é íntimo.
Pergunta - Nos anos 30 e depois nos 50 e 70, você viveu em Paris, no auge do período artístico. Nessa época, parece que sua relação com os surrealistas não eram muito boas.
Resposta - Foram péssimas, os surrrealistas não me animavam, chegavam muito tarde e brincavam de tribunal revolucionário, o lado insólito da vida. Com os dadaístas minhas relações eram melhores, era mais divertido e além disso parodiavam o absurdo da guerra de 1914. Sem dúvida, confesso que Dalí me encantava, não como pintor como pessoa. Era divertido. Apreciava seu senso de humor e além disso escrevia maravilhosamente. Lembro-me de um livro, "Amo a Pintura Contemporânea", era um pequeno livro onde ele misturava tudo com uma habilidade e graça extraordinária. Além de seu filme com Bunuel, "O Cão Andaluz", fez também um filme "Viagem à Mongólia" com paisagens belíssimas em que tudo firava em volta pa cabeça, em forma de maçã, de um bastão. senso de humor.
Pergunta - Um dos países onde sempre voltou foi a Suíça.
Resposta - Primeiro vim com minha família, como exilado na 1.ª Guerra Mu6dial, e depois voltei na 2.ª Guerra quando me dispensaram por ser ferido numa batalha. Finalmente, em 1977, voltei definitivamente a viver na Suíça, desta vez por razões de saúde, o ar da montanha me faz bem. A Itália me encantava, mas duroite meu serviço mititar no Marrocos peguei malária e na Itália com o Siroco sofria ataques de febre constantemente. Cada vez havia novos mosquitos que traziam a malária. É como a pintura moderna, cada vez tem mais vírus.
Pergunta - Não gosta da pintura moderna? Tem regras?
Resposta - Não, mas existe uma técnica de se deve respeitar e que antes todos possuíam. Inclusive o pintor mais simples, o menos capaz, tinha uma tecnicn. Enquanto que agora, a idéia é de fazer qualquer coisa.
Pergunta - O que fazem os pintores da atualidade?
Resposta - Não sei. Chamam a isso de "arte contemporânea". Agora é frequente sentir vergonha diante de coisas antigas ou tradicionais que, por outro lcdo, desaparecem. Por exemplo, a arte popular antes alimentava a grande pintura. E mais do que isso, não havia diferença entre ambas as pinturas. A pintura era a pintura. Quando se queria ser pintor era necessário aprender, os mestres orientavam –era a época de uma relação direta mestre-aluno. Eu conheci grandes pintores deste século e todos se lamentavam pelo mesmo motivo: não ter uma profissão nem um mestre.
Pergunta - A essência do artista é seu universo ou está fora dele?
Resposta - Quanto mais anônimo se torna, mais real é a arte. A expressão pessoal é muito limitada. A pintura deveria se situar acima de sua personalidade. Hoje se acredita que o que conta é a personalidade, mas a personalidade sempre foi pobre, insuficiente.
Pergunta - O artista nos dias atuais perdeu o sentido da arte?
Resposta - Há um filósofo asiático que se chama Kumara Suami que explica isso admiravelmente. Durante a Idade Média, não havia fronteiras entre as artes do Ocidente e Oriente. Com o Renascimento esse conceito ruiu e o artista se concerteu no que hoje chamamos de artista. O artista medieval estava muito mais em Deus. A partir do Renascimento, o mundo ocidental começou a entrar em decadência. É justamente com a limitação da personalidade e do indivíduo. Suama se baseia antes de tudo na Escolática, nos universais. Acredito nele.
Pergunta - É esse espírito o que o seduz na pintura oriental e não encontra na ocidental?
Resposta - A pintura antiga japonesa se parece muito com a pintura da escola de Siena, isso é curioso. A pintura chinesa possui um elemento universal e além disso é feita com uma economia de meios extraordinários, uma fineza de linhas. E além disso me seduz o lado tradicional. Sou um homem medieval, do século 13. Gosto de Velázquez, Aurbarán e de Goya. Gosto de todos os períodos de Goya; cria um mundo a parte, original, tem uma visão singular.
Pergunta - A evolução do pintor existe?
Resposta - Creio que a evolução de um pintor é muito superficial. Ele pode mudar, mas a essência continua a mesma. Há períodos em que se desorienta e logo dizem, este período evoluiu assim, mas não existe tal coisa. Por exemplo, com Picasso essa história de período está na moda: o rosa e o azul. Creio que esses períodos não são Picasso; são fruto da influência de seu pai, que o oriticou em uma certa técnica. Seu pai havia se formado na escola de Munique, se vê porque é muito sentimental e não é Picasso por nada. É o que o pai de Mozart fez com ele. Lembro quando Miró mostrou um de seus últimos quadros a Picasso e este disse: "Miró, na tua idade!". Cada qual é um e a evolução é forma.
Pergunta - Quais os temas que o inspiram?
Resposta - A inspiração pura não existe, não vem do vazio. Há coisas que inspiram. No meu caso qualquer encontro com a natureza. Na natureza há sempre algo de intecto, de divino.a - Segue uma rotin
Pergunta - E sua pintura?
Respca. Destruíram a arte popua estão fazendo coisas incríveis. de pensar em civilizações com outrora todas as cores.

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