São Paulo, quarta-feira, 19 de janeiro de 1994
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Billy Corgan ameaça romper com o Smashing

DO "LIBÉRATION"

Com o álbum de estréia "Gish", surgia no cenário pop o grupo Smashing Pumpkins e um personagem: o vocalista Billy Corgan, hermafrodita sem complexos e narcisista. Lançado antes de "Nevermind", o álbum tinha a mão de Butch Vig, produtor do Nirvana, e aparecia antes da onda grunge (1991). Foi bem-recebido pelo público, mas nada de fantástico: 130 mil discos nos EUA.
Com "Siamese Dream", veio o estouro: o Smashing Pumpkins entrou direto em 10.º lugar na parada da "Billboard".
Na entrevista a seguir, Billy Corgan, fala sobre seus conflitos com o grupo e suabilidade de rompimento com os membros do Smashing Pumpkins. "Minha atitude é clara: ou é comigo ou fora", diz o vocalista.
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Pergunta - Em setembro de 92 vocês anunciaram um disco mais "específico"...
Resposta - "Gish" representou o corpo, este é mais interno. A verdade tem vários níveis. Durante muito tempo acreditei que era alguém que eu não era e tentei ir ao fundo das canções. Não queria que elas soassem como se os Smashing Pumpkins tentassem fazer algo psicodélico ou rock; queria ir adiante.
Quando criança ficava quieto por ser mais fácil, fazia de conta ser outra pessoa para preencher o vazio em minha volta. Difícil de explicar... Era eu, mas não totalmenteverdadeiro eu é uma pessoa muito gentil, educada e doce, aquele que me esforçava por ser era muito mais duro. Tinha medo de me mostrar.
Pergunta - Em "Siamese Dreams" os extremos foram exacerbados.
Resposta - Não tanto quanto desejava. Estou aprendendo a desaprender, e meus miolos estão de ponta-cabeça. Na base há uma verdadeira sensibilidade pop, como nos "Valentines".
Pergunta - Porque Butch Vic de novo?
Resposta - A gente se entende bem, ele sabe onde quero chegar, que o grupo não está aí para fabricar sucessos, que sua estética vai além disso, o que é raro para um produtor americano.
Pergunta - A palavra andrógino vem muito à tona quando se fala de Smashing Pumpkins.
Resposta - Sei disso, mas acho bobagem. Sou um ser humano que se tornou por acaso mais masculino do que feminino.
gunta - Quais os versos mais difíceis de escrever.
Resposta - Todos (risos). Tentei encontrar "A" verdade, criava textos desligados da realidade. Procurava a verdade sob os sentimentos, o que motiva as pessoas, o que as separa.
Pergunta - Seus músicos dizem que a gravação foi um inferno, qual a sua versão?
Resposta - Eles não estavam preparados; nem mentalmente, nem fisicamente. Acreditavam que bastava ser Smashing Pumpkins. Já tivemos esse tipo de problemas com "Gish" quando me forçaram a tomar conta de tudo. Eu os avisei: tiveram um ano para mudar, se preparar... Ficaram vivendo numana auto-satisfação. Fui o único a "amadurecer" "Siamese Dream".
Pergunta - Vocês continuam juntos. É viável?
Resposta - Não. Preferiria trabalhar com pessoas entusiasmadas. Eles não investem em si mesmos: acreditam no grupo, em mim, mas não em si mesmos. Ensaiam e a seguir vão para casa ver TV, em vez de continuar trabalhando. Estamos juntos desde 1987 –isso cria laços. Cheguei ao ponto de despedi-los, mas algo me dizia que não era o momento.
Pergunta - Como está o clima entre vocês?
Resposta - Bom. Dei a eles um ano para se preparar. Se não evoluírem, não gravarão mais. Para fazer parte da banda, precisam merecê-lo. Nada de decepcionar nossos fãs, nem de comprometer minha reputação e fazer um álbum ruim por culpa deles. De agora em diante, ninguém brincará comigo. Até agora fizeram isso. Enrolando, esquecendo as partes. No início, eu me culpava: será que não estava exigindo demais deles, impondo todas as minhas vontades? Mas o grupo funciona. Portanto, minha atitude é clara agora: é comigo ou fora. Eles concordam.
Pergunta - Você se sente bem no papel de líder?
Resposta - Sim. Trato também dos ganhos –dos negócios– já que ninguém quer lidar com isso... eles nem sabem o que está escrito nos contratos. Confimim para não levar a pior. Na verdade, não gosto muito.
Pergunta - "Atingir a América profundamente no coração", você se lembra disso?
Resposta - Mais ou menos. Copiei o conceito dos surrealistas. A melhor subversão é a aparência normal, inútil tingir os cabelos de laranja, se maquilar como Suede. Para mim, a verdadeira subversão está na idéia, na música. A gente muitas vezes é pego ao querer provar que é diferente, em vez de ser pura e simplesmente. Nirvana é um ótimo exemplo: fizeram um bom álbum que não incomoda ninguém, que os coloca na situação de ser subversivos. Mas não achem que penso ser Jim Morrison em 1968. De qualquer forma é só a anedota do rock.
Pergunta - Depois de "Gish", o que aconteceu.
Resposta - Meu coração me dizia "Siamese Dream", mas minha cabeça duvidava. Tive medo da criatura que engendrava... Demorei nove meses para matá-la. Parece que cada um de nós, em seu devido momento, deve chorar a perda da criança que foi.

Tradução de Lise Aron

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