São Paulo, sexta-feira, 21 de janeiro de 1994
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'Virgina' antecipa horror da ex-Iugoslávia

LEON CAKOFF
ESPECIAL PARA A FOLHA

Filme: Virgina
Direção: Srdjan Karanovic
Elenco: Com Miodrag Krikokapic, Marta Keler, Ina Gogalova, Igor Bjelan
Produção: Iugoslávia/França, 1991
Sala: Cinesesc

A sorte de "Virgina" foi ter sido co-produzido por franceses. A medida que as filmagens avançavam, o material era enviado a Paris para os trabalhos de finalização. Quando o filme ficou pronto, o caos estava instalado e o desmanche sangrento da Iugoslávia em curso.
O azar deste último filme da ex-Iugoslávia está em antecipar com a sua temática tudo o que poderia acontecer de pior com a suas mulheres, violentadas em massa na guerra civil e engravidadas para a "purificação racial" no confronto de etnias do frágil país formado depois da Primeira Guerra Mundial. O tema do filme contribui para aumentar a indignação, assim como contribuiu para a sua difusão mundial, virando um hit em festivais. Na 16.ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, foi um dos dez preferidos pelo público.
"Virgina" retrocede um século, quando o país sequer existia como tal. Entre os fanáticos membros de uma pequena comunidade sérvia das montanhas, a ortodoxia católica tinha explicações para todos desígnios divinos. O pior castigo que os céus podiam despejar sobre as cabeças de uma família, pensavam, era não ter filhos homens.
Amaldiçoados e rejeitados pelo resto da comunidade, acabava-se dando um jeito: travestir em homem uma menina desde o maldito dia do seu nascimento. "Virgina" era o nome que se dava a essas infelizes meninas criadas para se comportar por toda a vida como homens.
Mais pela fascinante aridez das imagens do que pelo tema inusitado, o filme é envolvente desde o começo. A overdose de violência e sofrimentos faz todos os intérpretes mostrarem suas deficiências. Lembra na forma o "Pai-Patrão", dos italianos Taviani. A maldição da família de três meninas será apaziguada ao se anunciar para a comunidade a falsa notícia do nascimento de um menino. Os rudimentos da sobrevivência nas montanhas oferecem as melhores imagens do filme, de terrível beleza plástica.
A mesma paisagem expulsa aos poucos os membros dispersos da comunidade rumo ao mar Adriático e aos navios para a América. A família de Virgina está presa a uma promessa religiosa. Só se libertaria dela com o nascimento de um menino. A sua cultura da terra está mais para a cultura das pedras, uma idade arqueológica que afeta o tresloucado comportamento de todos. A candura do filme está em acompanhar a velada resistência da menina-homem que brinca escondida de boneca e na lenta transformação do seu corpo de mulher. O pior do filme fica por conta do papel tirânico do pai-patrão e da mãe martirizada, que se comportam como se fossem de fato personagens de cinema da virada do século.

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