São Paulo, sábado, 22 de janeiro de 1994
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"Eu não pisei, nem cuspi na bandeira"

JOÃO GORDO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Sepultura volta ao palco hoje no Rio de Janeiro para sua apresentação na versão carioca do Hollywood Rock. Em São Paulo, o show ficou marcado pela tranquilidade e pela acusação feita o grupo, de que o vocalista Max Cavalera, teria pisado e cuspido em uma bandeira brasileira que levava o símbolo do grupo. A bandeira foi dada à banda pelos integrantes do fã-clube do Sepultura.
Depois de prestar depoimento na polícia, o grupo deu uma entrevista exclusiva ao colega de trabalho, João Gordo, do grupo Ratos de Porão, em que fala sobre o incidente. Cavalera diz ter vontade de pedir uma audiência até com o presidente Itamar Franco para reafirmar que acha o Brasil "um páis do caramba".
*
Gordo - O que você achou da história da bandeira?
Max - Quando saí de Phoenix estava muito excitado por tocar aqui. Quando olhei pela janelinha do avião e vi São Paulo, até me arrepiei. No dia do show estava na maior ansiedade e ouvia um único comentário: o povo veio ver o Sepultura e mais ninguém. Tudo isso criou a maior expectativa na gente e também responsabilidade de fazer o show mais arrasador e monstro do mundo. Pena que cada vez que o show começava a ficar monstro o equipamento miava. Mesmo assim, rolou legal até o fim. O povo agitando foi do caramba. E aí o rolou o lance da bandeira, que eu acho que é bem inexplicável.
Gordo - Mas você acha que esse mal-entendido da bandeira aconteceu porquê?
Max - O lance de levantar a bandeira foi meio mecânico, até. Porque a gente toca no mundo inteiro e o público sempre manda a bandeira ou camisa e a gente sempre a abre e mostra para o público, onde estivermos. É muito legal.
Gordo - Fiz isso na Argentina. Toquei com a bandeira da Argentina amarrada no pescoço.
Max - E isso é muito legal. Não é só no Brasil. O Brasil é a minha pátria. Na minha opinião, acho que neguinho ficou se mordendo o show inteiro para encontrar alguma coisa para estragar. Como não teve violência, não tiveram como falar que o show é violento. Sei que tinha gente torcendo: "podia morrer um só pros caras nunca mais tocarem aqui".
Gordo - É, e a Madonna ficou se esfregando na bandeira brasileira e ninguém falou nada...
Max - Vamos começar a lembrar e falar de tudo que já aconteceu. Quando a Elis Regina morreu, por exemplo, mudaram a frase da bandeira que estava sobre o caixão dela, mas não aconteceu nada. Só porque era a Elis Regina. E o Sepultura é mais famoso que a Elis Regina fora do Brasil, mas é Sepultura, é barulheira, é cabeludo, é tatuado. O logo da MTV é colocado no meio da bandeira nacional e não tem problema. Os "goiabas" do Hawaii fazem um monte de discos com a bandeira do Brasil e ninguém pega no pé.
Gordo - E essa história do grupo de Brasília querer processar de novo por causa do nome.
Max - De novo, né. Quando li o jornal comecei a rir. Acho que a gente até devia colocar os caras pra abrirem nosso show pra ver o que acontece. Se esse negócio começar a ficar muito chato, até pensei em pedir uma audiência com o presidente. Eu ia sentar com ele e dizer: "Olha mano, é o seguinte, não tenho nada contra a bandeira, nem pisei nela. Fiz um gesto muito legal ao levantar a bandeira. O que você acha disso tudo?". Queria trocar uma idéia com ele lá em Brasília. Dizer, sem entrar naqueles nacionalismos idiotas, que sou brasileiro, gosto pra caramba do meu país e promovemos bem o nome do país lá fora. Nós sempre tocamos na gringolândia e somos uma das únicas coisas saídas do Brasil que não é catástrofe, que não tem mau nome. Apesar de eu ser tatuado e cabeludo.
Gordo - É mesmo. Lá fora o Brasil é Pelé ou Sepultura.
Max - Só tem um grupinho que nega nosso sucesso de qualquer jeito, dizendo até que a gente nunca tocou lá fora. É igual o lance do Lobão. Achei ridícula a crítica que ele fez. Pra mim ele está mordido até hoje porque tomou a maior vaia do mundo quando ele tocou no mesmo dia que a gente no Rock In Rio.
Gordo - Quando a gente mora aqui, não dá valor. Mas quando está lá fora, dá a maior saudade, não dá não?
Max - Dá a maior saudade. Eu não vinha para cá há um ano e meio. Eu realmente estava nas nuvens, a única coisa em que pensava era tocar no Brasil. Mas as pessoas acreditam em tudo que lêem nos jornais. Até minha família, meu tio que me conhece desde que tinha cinco anos de idade, veio perguntar se eu pisei na bandeira.
Gordo - Vi um adesivo em um carro americano que dizia "Don't Burn my Flag" (Não queime minha bandeira). Porque vocês não fazem a música "Don't Step In My Flag" (Não Pise em minha Bandeira").
Max - Boa idéia. O gesto que fiz foi do caramba, foi natural, fiz normalmente, só pelo povo que estava lá. Abri a bandeira do fã-clube de forma normal. Mas se você for analisar, bem que a gente queria que ela representasse a realidade, que a ordem e o progresso fossem de verdade. Nós temos a bandeira mais linda do mundo, mas o país está apodrecido.
Gordo - É verdade que você disse que não tocaria mais no Brasil?
Max - Acho que rolou uma distorção. A gente vai tocar aqui no Brasil o resto da vida. Para pôr um ponto final nessa história que está ficando muito chata: eu não pisei na bandeira, não cuspi na bandeira e quem estava lá viu que não fiz nada de errado. Não tivemos essa intenção de desrespeitar o país ou a bandeira. Esse país é do caramba.

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