São Paulo, sábado, 22 de janeiro de 1994
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Os costumes já mudaram

LUIZ ANTONIO FLEURY FILHO

SIM
A CPI veio mostrar a necessidade de alterar os pontos mais vulneráveis da política brasileira
O próprio desenrolar da CPI é a melhor prova da mudança dos costumes políticos brasileiros. Em outros tempos, ela talvez nem chegasse a ser constituída. Se fosse, não prosperaria. Se prosperasse, seria interrompida ou abafada sob este ou aquele pretexto. E, ao final, cairia no esquecimento sem que os eventuais culpados fossem identificados e muito menos punidos.
Que se compare, agora, esse roteiro sombrio com a realidade de transparência, clareza, correção e equilíbrio que cercou os trabalhos da CPI. A conclusão não há de ser outra. A CPI não é causa e sim decorrência da mudança dos costumes políticos brasileiros.
O caso, aliás, já não é único. A CPI do Orçamento tem como precedente a CPI do governo Collor. Também naquela ocasião o número inicial de céticos superava o de otimistas e ao final surpreenderam-se todos com o alcance dos resultados. Claro está que uma alteração dessa profundidade acarreta certa dose de sofrimento. Nas reportagens sobre a CPI, vimos tentativas de explicação que não convenceram, a humilhação de homens poderosos, a decepção de eleitores. Houve até quem tomasse a CPI como ameaça à classe política. Alegou-se que o acúmulo de acusações poderia levar a uma generalização abusiva, colocando no mesmo saco todos os políticos, culpados ou inocentes.
Se risco havia, conseguiu ser evitado. A CPI engrandeceu os políticos brasileiros. Alguns poucos foram desmascarados, muitos outros ganharam uma estatura maior, a começar pelo presidente da CPI, senador Jarbas Passarinho, e de seu relator, deputado Roberto Magalhães. O mérito maior da atuação desses grandes brasileiros foram a serenidade e o equilíbrio. Garantiram a todos o direito de defesa. Em momento algum permitiram que a CPI se transformasse em caça às bruxas. Se injustiças houve, foram decorrência da imperfeição natural dos julgamentos humanos.
Também saíram ganhando os partidos políticos, a começar pelo maior de todos, o PMDB. Desde o primeiro momento, seus representantes na Câmara jogaram o peso de seu prestígio e o número sempre decisivo de seus votos em favor da CPI. Um exemplo, entre muitos, de atuação impecável foi o de Roberto Rollemberg, presidente do PMDB de São Paulo. E se ao final dos trabalhos uma minoria ínfima de seus membros for considerada culpada, restar-nos-á apenas aceitar o veredicto e expulsá-los do partido. Não há alternativa. Os costumes políticos já mudaram no país. Como lição final, a CPI veio nos mostrar a necessidade urgente de alterar os pontos mais vulneráveis da legislação brasileira.
A oportunidade é agora. Na revisão constitucional, podemos adotar mecanismos que impedirão (ou ao menos dificultarão) a repetição de fatos semelhantes. A mudança nas regras da imunidade parlamentar, a quebra do sigilo bancário de todos os detentores de mandatos eletivos, a nova maneira de elaborar o orçamento, o voto distrital misto, o voto destituinte, dentre outras medidas, levarão à transparência maior no trato do dinheiro público. Mais vale prevenir do que castigar: que a corrupção fique para sempre banida do orçamento da República.

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