São Paulo, domingo, 23 de janeiro de 1994
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Os buracos louvados

JANIO DE FREITAS

Os auto-elogios em que se derramaram os integrantes da Mesa da CPI, com tantas referências ao que consideram sua coragem extraordinária, conduz à interpretação de que aqueles senhores estiveram, do primeiro aos últimos minutos da atividade na comissão, invadidos por temores soturnos e dolorosas incertezas quanto à sua própria firmeza. É o mesmo mecanismo, simplificando os termos da interpretação, do grande temeroso que se reveste das atitudes de valentão e das histórias rocambolescas dos seus supostos feitos: a auto-apreciação para fora compensa, ou alivia, os sentimentos mais íntimos.
Em inúmeras de suas partes, as conclusõos conduzidas pela Mesa corroboram aquela interpretação. Vamos a algums exemplos, que podem começar pelo desaparecimento, na Subcomissão de Bancos, dos documentos sobre a movimentação bancária do deputado José Carlos Aleluia. Este fato não podia passar sem providências enérgicas da Mesa, nem, muito menos, servir para a retirada de Aleluia da relação de cassações pedidas. Para o preparo do relatório parcial e do relatório final, a subcomissão e o relator-geral dispunham da gravação das notas taquigráficas do interrogatório de Aleluia. E ambas guardaram referências abundantes aos excessos financeiros inexplicados do deputado, documentalmente reconhecido como representante parlamentar mais de empreiteiras que do eleitorado.
O desinteresse por estes registros subsidiários foi fruto de pelo menos um outro: o desinteresse por medidas enérgicas para reparar com urgência e responsabilizar de imediato o zelador da documentação. Ou a Mesa evitou tais providências para proteger-se de eventual desgaste, ou o fez para proteger o zelador, deputado Benito Gama. As identidades do coordenador da subcomissão e do beneficiário do sumiço, porém, eram uma razão a mais para providências que afastassem possíveis suspeitas. Os dois são da Bahia, os dois são do PFL, Benito Gama é candidato a governador, Aleluia será um rico cabo-eleitooral.
Entre as acusações a Ibsen Pinheiro, o relatório incluiu a sustação da CPI aprovada para investigar irregularidades já no Orçamento de 91. O ato foi considerado pelo relator como falta grave de decoro, lembrando até as consequências, ainda mais graves, para os cofres públicos. Mas, ou tal acusação a Ibsen Pinheiro é imprópria, ou teria que ser estendida ao co-autor da decisão, senador Mauro Benevides. Neste último caso, porém, já seriam outros 500 para a comissão, politicamente. E por aí vão as brechas deixadas pela CPI para a entrada das suas e das nossas frustrações.
Questionado sobre a meia salvação de José Luis Maia, José Carlos Vasconcellos, Aleluia e outros, o relator Roberto Magalhães não conseguiu mais do que uma resposta insegura e inconvincente. Antes de perder na confusa busca de um argumento, porém, o relator deu uma informação importante: "O que eu realmente achei é que devíamos continuar e aprofundar as investigações". E por que não exigiu, como é de direito e dever do relator, a prorrogação do prazo? A consequência do encerramento precipitado, que a informação de Magalhães confirma outra vez, foi a transferência de investigações para a Mesa, ou seja, para um órgão que não tem instrumentos regimentais e legais para adotar providências verdadeiramente investigatórias, como a quebra de sigilos bancários e fiscais.
A reparação da insuficiência deliberada da CPI está nas mãos do corregedor e do presidente da Câmara. O primeiro, deputado Fernando Lyra, tem as qualidades necessárias à tarefa, inclusive coragem sem aspas. O segundo, deputado Inocêncio de Oliveira, tem contrariado as expectativas sobre seu desempenho, até agora opondo-se a casuísmos e outras jogadas de conveniência. Pode ser, então, que o Congresso e o país sejam ressarcidos daquilo que a CPI não teve a coragem de lhes dar.

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