São Paulo, domingo, 23 de janeiro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Sérgio Rouanet improvisa em "A Razão Nômade"

MARCELO COELHO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Um novo livro de Sérgio Paulo Rouanet deveria, em tese, ser bem recebido. Este diplomata e ensaísta tem ocupado, no Brasil, um lugar importante na defesa de uma coisa em desuso hoje em dia: a razão, às voltas com a tendência generalizada para o obscurantismo, para o relativismo, para a carnavalização do intelecto.
Não se pode dizer, entretanto, que este "A Razão Nômade" contribua significativamente para a obra de Rouanet. Ao contrário de "O Mal-Estar na Modernidade", seu livro anterior (Companhia das Letras, 1993), esta coletânea de estudos parece ter sido feita sob as pressões da circunstância, sem derivar disso sequer a possível vantagem de maior carga polêmica, de prontidão na resposta aos problemas do momento.
O mais longo ensaio deste volume, "A Viagem da Razão: de Eros a Logos", tem como subtítulo "A epistemologia freudiana". Não se trata, infelizmente, de texto original. É na verdade a transcrição praticamente literal de parágrafos e capítulos de uma obra anterior de Rouanet, "A Razão Cativa" (Brasiliense, 1985), sem que a editora ou o autor, na introdução, tenham tido o cuidado de informar o público que o ensaio já havia sido publicado.
Antecedem-no três estudos sobre Walter Benjamin. O primeiro mais longo, traça um roteiro pelas ruas de Paris (anexo um mapa) passando pelos lugares a que o filósofo e ensaísta alemão dera destaque, em sua obra inacabada sobre a capital francesa no século 19.
É mais uma coleção de citações do que uma reflexão sobre o trabalho de Benjamin. Não seria o caso de cobrar de Rouanet, aliás, novas reflexões sobre Benjamin. Pioneiro no estudo da obra desse autor, Rouanet voltou ao tema inúmeras vezes.
Diga-se, aliás, que há uma inflação de estudos sobre Walter Benjamin. Não posso opinar sobre o recente livro de Olgaria Mattos, que não li. Mas tem sido comum encontrar utilizações tão precárias das idéias de Benjamin, cresce de tal modo a confiança na sua aparente "falta de método" como justificativa para intuicionismos pseudo-sociológicos, foi de tal modo deturpada a capacidade genial que ele tinha de fazer "descobertas" e "iluminações" a partir de pequenos detalhes do cotidiano, que um pouco mais de parcimônia na citação de sua obra viria a calhar.
A segundo texto sobre Benjamin nesta coletânea é mais interessante. Rouanet aponta de que modo a visão de Max Weber acerca do mundo moderno –caracterizado pelo "desencantamento", pelo progresso da racionalização e da burocracia– contrasta com a apreciação que Benjamin faz do capitalismo. A modernidade, para Benjamin, intensifica ou pelo menos recorre com ênfase ao pensamento mítico. Museus, lojas, grandes prédios urbanos, fazem da cidade mais um espaco "mítico" do que "desencantado" e "racional" como poderia dizer Max Weber.
O que não quer dizer, aponta Rouanet, que Benjamin fosse contrário às tendências de racionalização detectadas por Weber no mundo moderno. O aparato de ilusões projetado pelo capitalismo, com seus apelos ao consumo e suas máquinas de diversão de massa, se de um lado "aliena" e "engana" as pessoas, contém em si o atestado de um desejo mais amplo de libertação e felicidade. Seria este o desejo aquilo a ser liberado, desentranhado, do mito. Libertar-se do mito, para conquistar uma utopia que está dentro dele, seria tarefa da razão. Aquilo que em Benjamin é esperança, presente, ainda que dissimulada, no mundo moderno, não existiria em Weber –para quem a modernidade, com sua fria racionalização, deveria ser aceita como "destino" sombrio.
O diálogo entre Weber e Benjamin é elaborado com clareza e simpatia por Rouanet. Diálogo "implícito", diz o autor; mas nem tanto –pois Rouanet descobre, em texto até há pouco inédito de Benjamin, referências ao autor de "Sociologia das Religiões".
Compõem ainda este livro de Rouanet ensaios sobre as relações entre o pensamento iluminista e a Revolução Francesa –não tão diretas quanto se deveria supor–, sobre a influência dos pensadores franceses do século 18 na América Latina, e sobre o livro de Alfredo Bosi, "Dialética da Colonização".
São textos muito curtos e rápidos, que não pareciam exigir publicação em livro. Dão a este "A Razão Nômade" a característica, mais uma vez, de um volume algo improvisado. Lançamento sem importância, que não faz jus ao bom trabalho desenvolvido por Rouanet.

Texto Anterior: ARANTES; JABOTI
Próximo Texto: FICÇÃO
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.