São Paulo, quinta-feira, 6 de outubro de 1994
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Fotógrafo faz síntese de trabalho e militância

EDUARDO SIMANTOB
DA REDAÇÃO

Há oito anos longe do Brasil, o fotógrafo Marcelo Krasilcic, 25, é um dos destaques do 2º Mix Brasil, onde expõe uma série de fotos enfocando cenas cotidianas da comunidade gay de Nova York, onde vive.
Formado na New York University, Krasilcic vem trabalhando sob influência dos fotógrafos Jack Pierson e Nan Goldin. Goldin atingiu notoriedade nos anos 80 ao enfocar o submundo nova-iorquino, sem maiores preocupações estéticas que o registro do grotesco e suas nuances.
Krasilcic procura se diferenciar através de uma estetização do cotidiano, teatralizando situações banais. Simultaneamente ao Mix Brasil, seu trabalho estará também em Paris numa coletiva internacional que trata da Aids.
A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha, por telefone, das Ilhas Virgens (EUA).
Folha - Como você relaciona seu trabalho com a militância gay?
Krasilcic - Meu trabalho trata basicamente de relacionamentos e intimidade e, por ser sobre a comunidade gay e por mostrá-la de uma maneira positiva, não há como desvinculá-la da militância.
Durante um tempo, fiz parte do Act Up, um grupo muito politizado, que encabeça protestos em Washington, panfletagem em fábricas, e que tem muita força nos EUA. Eu acabei largando o Act Up, por achar que eles forçam muito a barra.
Acredito que se deva ser feliz com as opções que tomamos conscientemente. No Brasil, já é mais difícil viver a sexualidade de uma forma aberta.
Folha - Em Nova York é muito mais fácil?
Krasilcic - A história aqui nos EUA é muito diferente, não que seja mais fácil. O lado bom é que as pessoas atuam muito mais. No Brasil, a hipocrisia ainda impera. Existem inúmeros gays que não se assumem por razões familiares, profissionais etc.
Folha - Que expectativa você tem em expor seu trabalho no Mix Brasil?
Krasilcic - Espero que se entenda que é um trabalho sobre amor entre pessoas, independentemente dos rótulos que se atribuem a elas.
Folha - Até onde vai sua preocupação formal nas fotos?
Krasilcic - São basicamente ``snapshots", cenas cotidianas com amigos meus. Elas compõem uma sucessão de fatos normais, mas que acabam se tornando atípicos em função do preconceito. Me preocupo também em datar as fotos, criando um registro cronológico que mistura minha vida com meu trabalho.
Folha - Você abandonou os retratos?
Krasilcic - Sim, com os retratos que fiz em Portugal eu procurava entender o país, os portugueses e a própria fotografia. As fotos que vão para o Mix Brasil têm muito mais a ver com a minha identidade, um gay na década de 90 e seu universo, no qual a Aids está sempre presente.
Folha - E como você encara a Aids?
Krasilcic - Eu tinha uma atitude agressiva em relação a isso, achava que se tinha que brigar por dinheiro, pesquisas e mais propaganda. Claro que isso ainda é importante, mas a Aids não é o fim do mundo. É uma lição para as pessoas encararem suas relações de modo mais consequente.
Folha - O escândalo causado pelas fotos de Robert Mapplethorpe deixou que tipo de reação hoje nas artes?
Krasilcic - Eu acho que trazer qualquer assunto controverso à tona já acostuma o público a aceitá-los. No geral, as coisas caminham de modo lento, mas creio que numa direção boa. O próprio Mix Brasil, quando se imaginaria um evento desse tipo no Brasil?

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