São Paulo, sexta-feira, 7 de outubro de 1994
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`Um líder político não se omite"

"Um líder político não se omite"
Leia a seguir a íntegra da entrevista coletiva de Fernando Henrique Cardoso.
Apresentador - A primeira pergunta ao senador Fernando Henrique Cardoso será feita pelo representante do jornal ``O Estado de S.Paulo" e, logo em seguida, o jornalista do SBT.
``O Estado de S.Paulo" - Prezado presidente, a primeira versão do seu programa de governo dizia que o combate à inflação demoraria três, quatro anos, mas nos palanques da campanha o sr. algumas vezes disse que a inflação havia acabado. Eu gostaria de saber: com que perspectiva o sr. trabalha agora? Com a informação já de que a inflação deve dar um repique em outubro. O sr. acha que é possível segurar a inflação, sem a aprovação imediata, ainda neste ano, de emendas constitucionais?
FHC - Em primeiro lugar, eu sempre disse, é verdade, disse à Marta que a inflação é um processo que se enraizou e que ela não seria eliminada por um golpe só. Seria um outro processo, uma luta contínua, esse é o meu ponto de vista. Em qualquer lugar do mundo é assim. É um processo e esse processo tem que estar sendo acompanhado no dia-a-dia pelas autoridades do governo, senão isso não ocorre. Agora, quanto à necessidade de reformas constitucionais, eu sempre fui partidário delas, mas nós sabemos também que nós fizemos o Fundo Social de Emergência para dar um período de possibilidade de ação por parte do governo. A União hoje não apresenta déficit. Não existe pressão da base monetária em função de emissão do Tesouro para financiar os gastos do Estado. Os problemas hoje são de outra natureza e, embora eu mantenha o ponto de vista de que nós devamos e de que faremos as reformas necessárias, o processo a que eu me refiro de acompanhamento da inflação, ele independe das reformas. Com elas ou sem elas, ele continuará a existir, e elas serão necessárias e no momento oportuno serão feitas.
Apresentador - Representante do SBT e, depois, Rádio Gaúcha.
SBT - Presidente, ainda nesse calor da campanha existe uma expectativa de saber como vai ser a participação do sr. nas votações, nas eleições no segundo turno. Há de quatro a cinco Estados onde o candidato do PSDB está diretamente envolvido com o segundo turno e outros, provavelmente cinco Estados, onde candidatos da coligação também demandam por uma ajuda do sr.. O sr. vai participar diretamente ou não?
FHC - Bom, em primeiro lugar eu quero esperar para verificar quem é que vai estar mesmo no segundo turno, não está terminado. Em segundo lugar, um líder político é um líder político e não se omite. Agora, presidente eleito, além de líder político tem uma condição especial de presidente eleito. Tem que ver de que forma isso pode ser feito de uma maneira apropriada; assim como o presidente Itamar atuou de forma apropriada, o presidente eleito tem que atuar de forma apropriada, tanto mais que terá sido eleito por uma votação que supera a votação do seu próprio partido. Agora, eu quero dizer também, repetir aqui, que a minha convicção nessa campanha é a de que o eleitor escolhe. A participação é importante por razões políticas, mas eleitoralmente, na verdade, pode ser que eu me equivoque e até diminua o papel que os líderes possam ter no processo eleitoral, mas eu acho que o eleitor forma suas convicções de uma maneira muito independente, isso é positivo.
Apresentador - Jornalista da Rádio Gaúcha e, logo depois, Agência Tass.
Rádio Gaúcha - Senador Fernando Henrique Cardoso, a apuração das urnas até agora só não lhe mostra resultado favorável no Rio Grande do Sul e no Distrito Federal. Eu gostaria de saber qual é a relação que o sr. faz sobre esse desempenho e –já foi respondido antes– se o sr. iria ao Rio Grande do Sul participar de um eventual segundo turno para o seu amigo Antônio Britto, que é do PMDB, e que apoiou a sua candidatura?
FHC - Bom, evidentemente, no Rio Grande do Sul a situação sempre foi mais delicada eleitoralmente, porque o peso do Brizola é muito grande no Rio Grande do Sul e do PT também, então é um eleitorado mais dividido. Eu não vi os dados, sinceramente, já faz..., embora eu tenha lido nos jornais que eu estava muito angustiado, vendo os dados a toda hora. Os que estavam comigo sabem que eu não estava olhando os dados de pesquisas dia e noite, os resultados eleitorais, não, porque, como vocês sabem, eu sou uma pessoa relativamente calma e prefiro ver no fim para poder fazer uma avaliação. Então eu não acompanhei no dia-a-dia, eu não sei. Aqui no DF sempre foi mais difícil e mais próximo pela força que tem o Lula no DF. Agora, não sei se vamos ganhar ou não, estar à frente ou não. Eu gostaria de estar à frente no Rio Grande do Sul, sobretudo.
Apresentador - Representante da Agência Tass e, logo depois, do ``Jornal do Brasil".
Agência Tass - Bom, senador, durante a sua campanha eleitoral falava-se muito dos problemas internos do país, da necessidade da reforma tributária, da agrária, do Plano Real, mas pouco se falava da política externa. Nesse sentido, eu gostaria de perguntar se, no seu governo, a política externa será mantida a do atual governo Itamar Franco e se será mantido o rumo de colaboração estratégica com os países grandes, como a Rússia e a China.
FHC - Bom, como o representante da Agência Tass sabe, eu fui chanceler; portanto, eu fui co-autor da política de governo do presidente Itamar Franco. Eu acho que a política externa do Brasil, ela já tem obedecido, já há muito tempo, uma linha de convergência. Tanto que o Senado, que é o que mais de perto acompanha, mas a Câmara também tem lá um amplo entendimento, um diálogo permanente, e os partidos não se distinguem por serem partidos na condução da política externa. Há geralmente um consenso que se forma aí e isso não quer dizer que ela não seja dinâmica. Eu acabei de dizer aqui que nos parece que nós devemos nos preparar para entrar no próximo século com uma posição do Brasil muito mais ativa a nível internacional. Uma vez retomado o crescimento, como estamos retomando, eu acredito que será possível com mais facilidade. Com relação à China e à Rússia, isso eu acho que é correto. Não é só China e Rússia, não. O Brasil é um país que tem essa especificidade de ser um país de porte continental como esses aí mencionados, como há outros, Estados Unidos, a Índia. Nós temos que prestar muita atenção a esse fato e o Brasil terá, certamente, muito interesse em aprofundar suas relações com esses países.
Apresentador - Representante do ``Jornal do Brasil" e, logo depois, TV Bandeirantes.
``Jornal do Brasil" - Boa tarde, senador Fernando Henrique Cardoso. Durante a campanha eleitoral o Plano Real foi acusado, o sr. respondeu a muitas perguntas, de ele ter sido eleitoreiro. Desde o último sábado se observa um movimento de aumento de preços dos produtos aqui no país. Quais são os riscos que corre o Plano Real diante desse crescimento dos preços e outros problemas da economia e o que o sr. pretende fazer daqui até sua posse para garantir a normalidade econômica do país?
FHC - Bom, em primeiro lugar, daqui até a minha posse o presidente é o presidente Itamar Franco e o ministro da Fazenda é o ministro Ciro Gomes. Já estão tomando as medidas necessárias. Há influências sazonais com relação à carne e ao feijão. Ainda ontem, a alíquota de importação de feijão caiu para zero em função disso e o governo vai estar atento o tempo todo. Isso não tem nada a ver com eleitoreiro. Isso tem a ver com fenômenos, digamos, sazonais, de acomodação, mas pelo que eu saiba o governo está agindo intensamente nessa direção. E eu disse quando estava em campanha, e repito agora, a inflação para ser combatida, eu sempre disse a mesma coisa, só quero uma coisa, que a equipe econômica faça o necessário, porque o Brasil cansou de medidas demagógicas e politiqueiras. Então, o Plano Real deve prosseguir com muita seriedade, sem nenhuma medida que diminua sua capacidade de controlar a inflação. E isso vai ter que ser feito a duras penas, porque está na hora de o Brasil pensar naqueles milhões de brasileiros que foram beneficiários do real. Esses mesmos que diziam a mim ``segura o real", que não estão nas bolsas, que não estão nos bancos, que não estão nas empresas; que estão aí nos campos, nas periferias das grandes cidades, com seus salários que têm que ser preservados, e é em nome deles que o governo Itamar Franco deverá agir e eu também.
Apresentador - Representante da TV Bandeirantes e, logo depois, da CBN.
TV Bandeirantes - Presidente, a viagem terminou e é natural que, neste momento, o arco de forças que se formou para apoiá-lo nessa jornada comece a manifestar as, digamos, suas vocações, as suas vontades. E algumas coisas já aconteceram, como, por exemplo, o candidato ao governo de Minas Gerais, que ainda não foi eleito e reivindicou três ministérios para aquele Estado. Um senador amigo do sr. reivindicou o Ministério da Agricultura para o Estado do Paraná. Eu gostaria de saber do sr. –aliás, está aqui presente– são duas perguntas: como é que o sr. vai fazer para acomodar um espectro tão amplo de forças como esse que se formou durante a sua campanha, e a segunda, o que é que principalmente os conservadores podem esperar do seu governo.
FHC - Muito bem, em primeiro lugar eu não tenho nenhuma dificuldade nessa matéria, porque nós sempre a tratamos da forma mais direta e clara possível. Eu repito aqui, diante dos líderes da coligação que aqui estão: nós nunca cogitamos da distribuição de cargos, nunca. Nós cogitamos da definição de políticas e o regime atual é presidencialista, foi votado pelo povo recentemente. Cabe ao presidente da República a responsabilidade de indicar seus auxiliares. Os são auxiliares do presidente. Eu sou parlamentarista, mas o regime é presidencialista e vamos agir de acordo com as leis, mais que as leis, com o espírito das leis, o espírito do sistema.
Então, o presidente vai designar , no momento apropriado, para o desempenho de funções e de projetos. O presidente, no meu caso, confirmada a eleição, é um senador há 12 anos, foi líder no Senado, sabe das realidades políticas, não é um tecnocrata. O cargo do ministro não é necessariamente um cargo técnico, é um cargo político. Agora, que política? Para realizar as políticas do programa, não é para fazer a política do ministro, não é para fazer a nomeação daqui e dali. Há um programa e é isso o que nós vamos fazer. O Brasil cansou de saber se tal partido tem três, quatro, dois ou nenhum ministro. Se tal região tem quatro. Quem fala isso são dez pessoas, 20 pessoas, o país não quer isso, não, o país quer um governo que funcione. Por sorte, nos vários partidos há pessoas competentes, e fora dos partidos também, e a competência dos partidos, quando for o caso, gente de fora dos partidos se for para fazer um bom programa dos partidos.
Então essa matéria é uma matéria que não tem nenhum problema comigo e nem com a coligação, nenhum. O senador citado, que é realmente meu amigo, que muito me ajudou, não tem nenhuma dificuldade em conversar, como nós sempre conversamos, e as reivindicações não são dele, minhas, do Paraná, são do Brasil. Vamos ver o que é melhor para o Brasil. Vamos ver o que é melhor para o Brasil. Aliás, ele sempre conversou comigo sobre as políticas, foi dos que mais conversou sobre as políticas das várias áreas, inclusive da agricultura. O resto é às vezes uma formulação daqui, outra formulação ali, mas o contexto em que nós vamos operar é esse.
Eu tenho certeza que os dirigentes dos partidos coligados não têm nenhuma ansiedade porque me conhecem, sabem que eu vou fazer assim. Eu fiz isso no Ministério da Fazenda. A equipe do Ministério da Fazenda foi toda ela designada em função de competência técnica e nunca perguntei de que partido era. Nunca perguntei, uma boa parte era do meu (risos), mas por coincidência. Alguns dos que não eram do meu partido foram indicados por mim para me suceder e não são do partido, porque o Brasil cansou disso. Eu acho que aí a imprensa pode ajudar. Não especulem tanto. Vamos especular sobre o que vai ser feito, pergunta, o que vai fazer com a inflação? Tudo bem. Agora, quem é que vai combater? Vamos ver quem são os melhores.
Agora, eu vou governar conversando com os partidos, conversando com o Congresso, respeitando o Congresso, porque não se governa na democracia de forma autocrática. Agora, a responsabilidade da designação do corpo de auxiliares é do presidente e assim vai ser feito. Eu não vi a declaração do candidato ao governo de Minas, se Minas vai ter três. Minas merece todos. Em Minas é que eu tenho talvez a maior votação proporcional, imagine o quanto eu sou grato a Minas. Minas é o Estado do presidente Itamar Franco. Se eu puder nomeio todos os mineiros. Agora...
TV Bandeirantes - Eu vou tomar isso como uma promessa.
FHC - Não, mas eu falei se puder. Mas, veja, Minas o que quer é que Minas vá bem e o Brasil vá bem. Eu acho que esse regionalismo só interesse às elites dessas regiões, não ao povo. Não ao povo e, como eu digo sempre, eu me sinto muito brasileiro; eu sou senador por São Paulo e todo mundo pensa que eu sou paulista, eu sou paulista e nasci no Rio. Então eu acho que hoje nós não temos que pensar mais nesses termos, haverá espaço. Não precisa ser ministro, o Brasil precisa de muito mais gente trabalhando aí, tem muito mais gente trabalhando aí, tem muito espaço, falta gente, não faltam cargos não, mas o critério vai ser esse. O critério de um novo Brasil, de um Brasil que quer competência e capacidade política. Repito, não é tecnocracia, não; competência e capacidade política. O ministro de certas áreas tem que ser capaz de falar com o país para poder motivar o país. Nós queremos mudar o Brasil.
TV Bandeirantes - Obrigado.
FHC - Você é candidato?
TV Bandeirantes - Não.
Apresentador - Jornalista da CBN e, logo depois, agência Associated Press.
CBN - Eu queria saber do sr. qual vai ser a sua relação –o sr. disse que pretende governar com todos, até com partidos da oposição– e como vai ser o trato do sr. com os bancos estaduais. O Banespa está quebrado, o Banerj está quebrado e acho que não é possível fazer uma política de contenção de inflação neste país se os Estados não cooperarem. Ao mesmo tempo, o sr. precisa do apoio político desses governadores, que vão estrilar se houver qualquer tipo de arocho nos bancos estaduais. O que o sr. pretende fazer?
FHC - O que fiz quando ministro da Fazenda, que diziam a mesma coisa. Arrochamos. Não assinei nenhum aval para nenhum governador se não tivesse primeiro posto as contas em ordem. Governadores poderosos, alguns deles meus aliados hoje, e outros já eram antes. A mesma coisa, eu acho que nós não podemos mais misturar alhos com bugalhos. Se o banco vai mal é preciso que ele passe a ir bem. Não pode se deixar um caso sem fundo, não, um saco sem fundo, porque isso é contra o país, é contra o conjunto do país. É amigo o governador? Ótimo, vai ajudar melhor. É inimigo? Mas, meu Deus, não é inimigo do povo e, se for, a gente diz que é o inimigo do povo e faz o que tem que fazer.
Olha, no Brasil não dá mais para continuar postergando. O que for necessário será feito. Isso não quer dizer que nós devamos, com uma machadinha, começar a quebrar bancos estaduais, mas quer dizer que vamos ter que colocar esses bancos nos trilhos. No que depender da União será assim.
Apresentador - Jornalista da agência Associated Press; logo depois, a Folha de S.Paulo.
Associated Press - Senador, nos poderia dizer quais medidas específicas o governo Cardoso vai tomar para abrir as estatais brasileiras ao investimento estrangeiro? Durante a campanha, o sr. usou muitas vezes a palavra flexibilização. O sr. poderia explicar mais detalhadamente o que quer dizer flexibilização?
FHC - Pois não. Eu, quando ministro da Fazenda, enviei uma exposição de motivos ao presidente da República e um conjunto de propostas ao então Congresso revisor, que tocam nessa matéria; lá está dito o que eu penso. No caso dessas matérias, essas matérias são de ordem constitucional, não é isso? Existem proibições a monopólios constitucionais e a proibição de capital estrangeiro também constitucional em certas áreas. Eu acho que no caso do monopólio, quer se trate do monopólio do petróleo ou das telecomunicações, ele é da União. Eu acho que a Petrobrás mesmo já apresentou a emenda que eu apresentei flexibilizando, permite ``joint-venture", parcerias com o capital privado, nacional ou estrangeiro em certas áreas. Eu acho que isso é necessário.
Disse e repito aqui: a Petrobrás não é privatizável, eu disse isso sempre. Por várias razões, entre as quais porque os recursos destinados à privatização são inalcançáveis. Mas, além disso, há outras razões que não aconselham. Agora, é possível ampliar a competição em algumas áreas da Petrobrás. Está sendo discutido pela própria Petrobrás e o Congresso vai ter que precisar, e essa é a minha posição.
No que diz respeito ao setor energético, nós apresentamos também duas exposições de motivos ao presidente da República, dizendo quais seriam os mecanismos para permitir que haja uma participação mais intensa do capital privado. Nós temos aí pelo menos 16 usinas hidrelétricas paradas e o Estado não tem recursos para prossegui-las. É necessário que se faça parceria.
A razão fundamental da privatização não é saber se o Estado é bom ou mau gestor. Não é isso, há empresas estatais muito boas e empresas privadas muito ruins, É outra questão. É como é que se arranja recursos para investimentos, sobretudo naquelas áreas que têm desenvolvimento tecnológico rápido, que requer recurso constante e o Estado não tem mais esses recursos nem a sociedade se dispõe a pagar impostos para gerar recursos para isso, tanto mais que falta em educação, saúde etc. Isso vale para a telefonia e vale para as energéticas.
Já existe um sistema central que está organizado, porque tem que haver um linhão, que tem que estar submetido a uma autoridade pública. O mesmo se dirá da questão dos sinais, que existem estradas que conduzem os sinais, essas têm que ser públicas. Há certos desenvolvimentos tecnológicos que têm que ser públicos.
Agora, isso significa autoridade pública, o que não quer dizer estatal, não, porque público significa que teve a participação também do consumidor, também do investidor e não ficar só na mão de burocratas o controle das decisões. E naquilo que for possível partilhar com o investimento externo nessas áreas eu pessoalmente sou a favor e proporei, já propus isso ao Congresso.
Agora, depende de uma negociação na revisão constitucional. Há muito capital disponível, o Brasil precisa, precisa se desenvolver com mais rapidez e é perfeitamente possível resguardar os interesses do Estado, os públicos com uma política de privatização que seja uma política bem feita. E, repito, não é privatizar por qualquer preço, não.
Olha, o México não privatizou a Pemex, o Chile não privatizou o cobre e privatizou muita coisa. A Inglaterra tem um exemplo de privatização com alguns problemas na área energética; enfim, há muitas experiências que estão sendo, grupos técnicos nossos, que estão analisando e nós vamos definir um modelo que seja um modelo que permita, e nós precisamos do investimento do capital privado nacional e estrangeiro. Eu não vejo razão para restringir o capital estrangeiro à produção energética, não vejo nenhuma razão para isso.
Apresentador - Jornalista da Folha de S.Paulo e logo depois da TV Globo.
Folha de S.Paulo – Sabe-se que o sucesso do Plano Real depende de aprovação de medidas adicionais. Então, a gente pergunta se o seu governo vai acabar de vez com a indexação da economia. Na questão dos salários, a gente pergunta quando, em que momento haveria a troca do IPC-r pela livre negociação? E, ainda em relação às reformas estruturais, onde nós temos um processo de privatização, eu pergunto se o sr. pretende privatizar empresas como a Vale do Rio Doce ou ainda empresas subsidiárias da Petrobrás?
FHC - Bom, com relação ao quando, isso é um problema que depende de negociação com o Congresso, não é? Porque essas matérias todas dependem de lei. Agora, eu sou favorável a acabar com a indexação. Acabar com a inflação significa acabar com a indexação, não é isso? Indexação foi um invento para corrigir a desvalorização; quando acaba a inflação, acaba a indexação. Como nós queremos acabar com a indexação, temos que acabar com a inflação. Esse é um processo e a minha posição é firme nessa direção, nós vamos marchar nessa direção. Quanto mais depressa o êxito no combate à inflação, mais depressa perde sentido a indexação.
Com relação à questão da livre negociação, eu sou favorável. O ex-ministro Barelli tem propostas bastante avançadas de contrato coletivo de trabalho. Isso sempre foi uma reivindicação dos setores sindicais mais avançados, inclusive da CUT. A CUT recentemente mudou de posição, porque a CUT está crescentemente ligada aos setores públicos e não privados, mas eu estou pensando que o setor privado em que a força sindical tem mais peso é favorável ao contrato coletivo e à livre negociação. Para mim, quanto antes. Agora, repito, depende de como é que isso avança no Congresso. E com relação à última pergunta?
Folha de S.Paulo - Com relação ao processo de privatização da Vale do Rio Doce.
FHC - Ah! Sim. Eu, em tese, sou favorável. Aí não tem que entrar em especulação, porque tudo isso tem efeitos de Bolsa aí, eu sei lá quando? No melhor momento para o Brasil. Não sei qual é o melhor momento. De repente não dá para ser nem no meu governo.
Apresentador - Jornalista da TV Globo e, logo depois, da Rádio Bandeirantes.
TV Globo - Senador, o sr. falou que vai buscar a Justiça Social neste país, e cada investimento social neste país precisa de dinheiro, evidentemente, e cada vez que o equilíbrio orçamentário fica em perigo, o que se faz historicamente é aumentar impostos e impostos, principalmente a carga tributária do assalariado da classe média e da classe baixa.
Eu gostaria de saber se o sr. pretende fazer alguma mudança tributária, visto que essa mudança tem que ser feita este ano, se o sr. pretende manter o IPMF, se o sr. é a favor da manutenção do IPMF, e, se o sr. não é a favor de nada disso, como é que vai ser feito o equilíbrio orçamentário do ano que vem, que depende muito das privatizações e que teriam que ser muito aceleradas?
FHC - Em primeiro lugar, vamos mencionar o fato das privatizações. Efetivamente, esse processo nosso de combate à inflação e de estabilização, ele foi feito com muito pouco recurso das privatizações. Se eu estou bem informado, e eu não estou, eu estou no detalhe, o Orçamento do ano que vem tem um déficit de R$ 10 bilhões. Pois bem, isso precisa ser coberto, e um dos mecanismos é através da privatização. A privatização, eu não gostaria que a privatização caminhasse, como em alguns outros países caminhou, para gastos correntes, porque é um patrimônio e o melhor seria aplicá-lo em infra-estruturas, em matérias que sejam de rentabilidade permanente do Estado. Mas nós temos um colchão muito grande, que permite garantir a estabilidade do real.
Agora, quanto à reforma tributária todo mundo diz que ela é necessária, eu também digo, todo mundo diz, tem que fazer. O problema da reforma tributária está na Câmara e no Senado. Eles têm lá muitas propostas que, segundo o senador José Serra, tem lá propostas razoáveis, como mencionei. Eu citei o José Serra porque ele chegou aqui, se chegasse o Ponte eu citaria o Ponte, se chegasse o Krause eu citaria o Krause, porque tem várias e eles convergem.
A dificuldade é que nós temos que simplificar, nós temos que tornar os impostos menos declaratórios, nós temos que desonerar o consumo e nós não podemos diminuir a massa de recursos de que o Estado dispõe. Então, é um equilíbrio difícil, porque uma boa parte das reformas supõe uma diminuição de receita.
Por outro lado, eu acho interessante acompanhar agora, até o fim do ano, o que vai acontecer com os impostos, tendo em vista a estabilização. Nos municípios e Estados está havendo um aumento grande da arrecadação. Então, nós temos que examinar isso, numa economia estabilizada o que acontece? Quais são os impostos? A sua pergunta implica em saber se faz já ou faz depois, não é isso? Bom, e tem a questão da anualidade, eu sei disso. Mas eu acho que vai depender um pouco do Congresso.
Pessoalmente eu, enfim, incentivarei que a discussão seja até para já. Existem matérias lá no Congresso. Não sei se politicamente haverá condições. Não sei quem vai ser eleito, não sei os que perderam com que ânimo vêm. Então, seria colocar o carro adiante dos bois. Pessoalmente, eu não acredito muito que seja possível resolver em dois meses matéria tão complexa, e por isso temos o Fundo Social de Emergência e alguma privatização para garantir a estabilidade.
Bem, com relação ao IPMF: a lei manda acabar. Eu não estou informado do dia-a-dia quanto ele está rendendo, se vai ser, se não vai. Se puder eu acabo –eu acabo, quem vai acabar é o presidente Itamar Franco porque é no fim do governo dele. Quem vai dizer se é necessário ou não não sou eu, é o Ciro Gomes. Eu, pessoalmente, se puder acabar, acabo, mas se puder. Quer dizer, eu não sei como é que estão as coisas. Eu não farei nenhum movimento para não acabar.
TV Globo - Obrigada.
Rádio Bandeirantes - O governo Itamar Franco saiu das urnas como o grande vitorioso com a eleição do sr.. O Plano Real foi o grande cabo eleitoral, mas é apenas o início de uma última(?) reforma na vida do país. Para isso impõe-se a adoção de medidas duras e até antipáticas para garantir o sucesso do plano. Essas medidas poderão ser adotadas antes da posse do sr.? E caso contrário quando o sr. tomar posse se o sr. poderá adotar também medidas antipáticas para manter o sucesso do plano?
FHC - A medida mais antipática que há é a inflação. Eu quando ministro da Fazenda não hesitei nunca em tomar medidas que alguns consideravam impopulares, por exemplo, ir contra a reposição integral de salário que tinha sido proposta pela Câmara. Eu fui contra, fui para a televisão e disse. O Brasil cansou de gente que não explica o que quer, que não defende com convicção. Se for necessário eu falo ao país ué e digo é assim. Se eu estiver errado me convençam, mas se eu não estiver errado eu tenho convicções. Para mim nào tem esse negócio de gente simpática ou antipática, é certo ou errado. Se for certo faz. O que é certo mais adiante rende os frutos, nem que num dado momento haja uma irritação depois as pessoas entendem. Chega de políticas que vá assim ao sabor do aplauso fácil. O aplauso fácil é inconsistente. Nem a vaia fácil, não tem consistência. O que tem consistência é rumo, é convicção. eu estou convencido que nós temos que continuar a combater a inflação, porque a inflação é que empobrece o Brasil, os brasileiros, ela concentra renda e ela impede a calculabilidade, ela impede o investimento interno e externo. Isso nós vamos fazer e se é simpático, se é antipático nào tem importância. Eu não quero prejulgar, mas o presidente Itamar Franco foi o presidente que me apoiou em tudo isso. Ele nunca teve medo de bicho papão. O ministro Ciro Gomes temdito aí o que tem que ser feito e eu acho que estou tranquilo quanto a isso. O que for necessário será feito. Mas, eu também quero dizer que essa ``antipatia" não é para o povo. O povo não gosta da inflação. Alguns setores podem achar que a medida é dura. Esses setores precisam de medida dura em cima deles, terão.
Rádio Bandeirantes - E no caso das medidas serem adotadas antes da posse, pode ser?
FHC - Não sei, porque isso aí eu não posso prejulgar. Até a posse o preesidente é o presidente Itamar Franco e eu falarei com ele tantas vezes quanto eu puder, que eu vier a Brasília, como sempre fiz durante a campanha, porque somos amigos, eu tenho respeito por ele, mas a decisão, enfim, as linhas são dele, eu só farei para prestigiá-las. Eu tenho certeza absoluta, tranquila, que o presidente Itamar Franco nessa matéria vai agir com a responsabilidade com que sempre agiu e que a equipe técnica com o ministro Ciro Gomes estão lá para tomar as medidas as mais pertinentes e eu só terei que aplaudir e apoiar.
New York Times - Senador, o sr. falou agora que pretende ter uma participação mais ativa do Brasil no cenário internacional. Tem pessoas aqui dentro, país de fora que acha, talvez, que o país está com um perfil discrento demais para a grandeza do país. Então, resta saber a curto prazo se o sr. pretende aproveitar essas dez(?) semanas para fazer uma viagem de trabalho para os Estados Unidos, Europa, Japão e a largo prazo o que o sr. pretende fazer nesses quatro anos para divulgar o país no Exterior?
FHC - Pois não. eu acho que no mundo atual, os presidentes, os chefes de Estado, fazem eles próprios a política internacional. Mas, eles têm que ter uma posiçào muito direta, muito pessoal, muito ativa na política internacional. Isso está se vendo em toda parte, não é só no Brasil e eu sendo presidente não me furtarei a fazê-la. Isso não quer dizer que o ministro das Relações Exteriores e o Itamaraty não tenham papel central na preparação de tudo, têm. O Itamaraty tem tradição disso e nós precisamos que a sociedade brasileira respalde mais a política internacional, mas eu acho que a participação pessoal do presidente será crescente no mundo contemporâneo e eu estou, enfim, preparado para isso. Com relação às viagens, veja, você esqueceu da América do Sul especialmente do Mercosul, que são países de grande importância para nós, o México, enfim, a Venezuela, a Colômbia, não vou citar um por um. Eu acho que havendo uma razão objetiva de trabalho eu acho que eu não me furtarei ao prazer de ir. mas, isso tem que ser feito com cautela porque a representação externa do Brasil é do presidente Itamar Franco. Eu irei sempre em viagem, se for, preparatória tendo em vista o futuro, tendo em vista sobretudo as questões de tecnologia, de investimento e também, enfim, uma participação mais ativa do Brasil nas decisões internacionais. Nós estamos assistindo a reconstrução de uma ordem e é preciso que o Brasil participe dela. O ministro Celso Amorim mencionou outro dia que o Brasil aspiraria fazer parte do Conselho de Segurança. Um país que aspira fazer parte do Conselho de Segurança tem que saber o que isso significa e tem também que assumir as responsabilidade que isso implica e isso implica em uma ação muito ativa na política internacional. Eu não tenho ainda definida quando, se e onde irei. Eventualmente eu ainda possa fazer uma viagem, mas aí antes de ser presidente eleito, antes da proclamação, como candidato com uma votação majoritária, como é o caso até agora, mas aí é uma viagem meramente pessoal e rápida e depois aí sim, quando for objeto real de trabalho.

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