São Paulo, sexta-feira, 7 de outubro de 1994
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Suassuna lança `Tristão e Isolda' nordestino

CRIS GUTKOSKI
DA AGÊNCIA FOLHA, EM RECIFE

O escritor Ariano Suassuna, 67, começa a comemorar hoje seus 50 anos de atividade literária com o lançamento do primeiro romance que escreveu, ``A História do Amor de Fernando e Isaura", inédito de 1956, pela editora pernambucana Bagaço.
O romance é inspirado na lenda medieval de Tristão e Isolda, transposta para o universo de mitos do Nordeste e de Suassuna, também poeta e dramaturgo, autor de ``Auto da Compadecida" (1957) e ``O Santo e a Porca" (1964).
Tristão (Fernando) é um boiadeiro, Isolda (Isaura), uma mulher forte que mete medo nos homens, e o Reino da Cornuália toma a forma de uma fazenda onde se cria gado e se planta coco, às margens do São Francisco. ``É uma tragédia terrível", diz Suassuna. ``O riso em mim foi uma conquista da idade". Ele escreveu seu primeiro romance aos 29 anos.
Suassuna define 1994 como ``o ano da ressurreição". Em junho, a Globo transformou em especial a sua primeira peça, ``Uma Mulher Vestida de Sol", escrita em 1947 e reescrita dez anos depois.
Agora a editora Bagaço ressuscita seu primeiro romance. ``Eu não costumo oferecer, e nunca ninguém tinha me pedido", diz, rindo, ao explicar porque o texto ficou inédito por tanto tempo.
Para 1995, Suassuna terá adaptado também pela Rede Globo, desta vez em forma de minissérie, o texto ``A Pedra do Reino" (1971). O diretor será o mesmo de ``Uma Mulher Vestida de Sol", Luiz Fernando Carvalho. ``No meio das comemorações dos 30 anos deles (da Globo) vão colocar os meus 50", afirma.
As cinco décadas de literatura começaram em Recife (Suassuna é paraibano), no dia 7 de outubro de 1945, com a publicação do poema ``Noturno", no ``Jornal do Commercio". Poesia lírica. ``O que eu escrevia em prosa era muito trágico", diz.
A sua obra para o teatro teve influência direta de Garcia Lorca e seu romanceiro cigano. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Agência Folha - A televisão brasileira tem aproveitado bem a literatura local?
Ariano Suassuna - Ultimamente está começando a aproveitar. É pouco ainda. Honra seja a feita à Globo, que é a única que está fazendo. Em 1994, encenou ``Memorial de Maria Moura", de Rachel de Queiroz, ``O Coronel e o Lobisomem", de José Cândido de Carvalho, eu mesmo, José de Alencar (``Lucíola"), Machado de Assis, com ``O Alienista".
A qualidade das adaptações é muito boa. Gostei muito do meu. Foi a primeira vez que um diretor (Luiz Fernando Carvalho) chegou aqui conhecendo o meu trabalho e procurou ser o mais fiel possível ao meu universo literário.
Agência Folha - Seu universo mítico também foi respeitado?
Suassuna - Foi, em tudo. Pedi que ele não fizesse caricatura da linguagem nordestina. Eu tenho horror quando tentam fazer imitação, porque sai uma coisa falsificada. Também não queria nenhum modismo do Rio de Janeiro. Carvalho e os atores respeitaram.
Também fiz recomendações de que se usasse elementos do espetáculo popular nordestino. Pois bem. O diretor pegou alguns elementos do Bumba Meu Boi e produziu umas novidades. O vilão (Raul Cortez) entrou em cena montado num boi, e isso deu uma sensação de brutalidade que eu só vi nos touros de Goya e Picasso.
Agência Folha - Como está se desenvolvendo a poética popular nordestina?
Suassuna - Está passando por uma crise muito grande. Eles editam na forma de folheto de cordel. Quando eu era jovem, havia mais de 20 editoras. Hoje, só resta a de José Francisco Borges, que faz poesia e ilustra. A poética está se desenvolvendo, mas a divulgação está sufocada pela dificuldade financeira.
Agência Folha - No último comício de Lula em Recife, o sr. chamou de ``traidores do povo" os aliados de FHC. Essa crítica também se dirige aos artistas e intelectuais que o apoiaram?
Suassuna - Naquele dia, eu só falei porque a Lucélia (Santos) me pegou e eu até disse besteira. Mas eu acho que ao lado de FHC só ficaram os equivocados ou então os traidores mesmo.
O próprio FHC, a meu ver, cometeu o maior erro da vida dele. De qualquer maneira, na minha opinião, foi graças à candidatura de Lula e ao impedimento de Collor que a direita não pode lançar agora quem eles queriam, como Maluf ou Antônio Carlos Magalhães. Então, eles tiveram que lançar mão de uma pessoa que estava do nosso lado e cumpriu esse papel de passar para o deles.
Agência Folha - O senhor defende a arte engajada?
Suassuna - Não. Eu acho que as preocupações políticas, sociais, filosóficas e religiosas de um escritor podem e devem aparecer no seu trabalho. Agora, arte engajada mesmo, eu sou contra. Para mim, isso prejudica o objetivo principal da arte, que é a criação de uma obra bela, artisticamente boa.
Se você coloca a arte a serviço de uma tese social, acaba prejudicando a própria obra. ``A Mãe", um livro de propaganda revolucionária, é o pior de Máximo Gorki. Ele tem contos extraordinários, mas engajou demais.

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