São Paulo, domingo, 9 de outubro de 1994
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O último eclipse do milênio

LÚCIA CAMARGO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O próximo 3 de novembro é a melhor oportunidade para quem quiser observar um eclipse solar total no Brasil ainda no século 20. O próximo só acontece no ano 2046.
A Lua vai ocultar o disco solar durante quatro minutos, dentro da faixa de 250 quilômetros de largura onde o fenômeno terá máxima visibilidade.
O eclipse começa a leste do oceano Pacífico, passa pelo sul do Peru, norte do Chile, partes da Argentina, Paraguai, atravessa o sul do Brasil e acaba ao sul do oceano Atlântico, próximo do continente africano.
A primeira cidade brasileira dentro da faixa de totalidade –em que o eclipse será total– é Foz do Iguaçu (PR). De lá, a Lua vai encobrir completamente o Sol às 9h46.
Em Criciúma, no Estado de Santa Catarina, último ponto no Brasil de onde será possível ver o Sol completamente eclipsado, o dia vai virar noite às 9h59.
Quanto mais longe da faixa de totalidade, a magnitude (visão do eclipse) será menor. Em São Paulo será possível observar, no máximo, 85% do Sol tampado pela Lua, às 9h56.
Astrônomos franceses, belgas, americanos, russos, georgianos e lituanos já reservaram lugar para fixar seus equipamentos em Santa Catarina e no Paraná.
São cerca de 50 estudiosos entre brasileiros e estrangeiros que estarão coletando dados para 16 pesquisas relacionadas com a coroa solar, a parte mais externa do astro, que só se mostra em eclipses solares completos.
A temperatura no centro do Sol –onde acontecem as explosões de fusão nuclear que geram energia– é de cerca de 13 milhões de graus Celsius.
Quanto mais distante do centro, menor é temperatura. Próximo da coroa solar, porém, ela sobe rapidamente atingindo 2 milhões de graus, enquanto que na fotosfera –a superfície que se enxerga da Terra– o astro tem cerca de 6.000 graus.
Esse aparente paradoxo monopoliza a atenção dos astrônomos para o eclipse, por ser uma oportunidade única de estudar a coroa.
Um dos objetivos é descobrir quais são os mecanismos físicos capazes de criar esse aquecimento e eventualmente desvendar o comportamento de campos magnéticos e transferência de energia no plasma (espécie de gás que forma a coroa solar).
"Parece um contra-senso estudarmos o Sol justamente quando ele está encoberto, mas o que nos interessa é precisamente o anel formado pela parte não encoberta pela Lua", explica o astrônomo Roberto Boczko, do Instituto Astronômico e Geofísico (IAG) da Universidade de São Paulo, líder da comissão que organiza os preparativos para o eclipse.
"Se pudermos entender como funciona esse súbito aumento na temperatura, seremos capazes de criar modelos de geração de energia limpa. Os astrônomos não são tão pragmáticos como o resto das pessoas, mas é possível que esses estudos venham a ter aplicações práticas", afirma Boczko.
Outro fator que contribui para o afluxo de pesquisadores às cidades do sul do país no dia 3 de novembro é a época de baixa atividade das explosões solares –que acontecem no interior do astro, responsáveis pela geração de energia.
O ciclo de explosões de 11 anos do Sol recém começou, permitindo um estudo em condições diversas do último eclipse, ocorrido em 11 de julho de 1991, visível da Amazônia, quando as explosões estavam na fase de maior atividade. "Condições como essa, com várias particularidades combinadas, fazem a alegria dos astrônomos", diz Boczko.

Patrocínio
O pesquisador do IAG aponta, porém, dois possíveis entraves à completa felicidade da comunidade astronômica: condições meteorológicas desfavoráveis e falta de verba.
Órgãos governamentais de pesquisa já aprovaram o orçamento, mas não mandaram o dinheiro.
"São cerca de 50 pessoas que precisarão de alojamento por quase duas semanas. O eclipse é só quatro minutos, mas leva-se cerca de dez dias para montar e calibrar a aparelhagem. Depois, mais cinco para registrar tudo, desmontar e empacotar as coisas", diz o astrônomo João Vianey, que também integra a comissão do eclipse.
As estatísticas indicam que em 3 de novembro o dia será claro em quase todas as cidades onde serão montados miniobservatórios, ao longo da faixa de totalidade.
Chapecó, em Santa Catarina vai receber a maior parte dos equipamentos de pesquisa por ser a mais segura em termos meteorológicos.
O máximo de cobertura do Sol pela Lua ocorre na cidade às 10h51. Enos Picazzio, um dos oito astrônomos do IAG encarregados do eclipse, comanda os estudos no local.

Bruxaria
Em julho de 1991, astrônomos do IAG registraram na Amazônia –na ocasião, o melhor ponto de observação no país– um eclipse solar total que teve a maior duração possível de um fenômeno desse tipo: 7,5 minutos.
A grande quantidade de estranhos e o volume dos equipamentos produziram alvoroço entre a população local.
Apesar de não ter sido registrado nenhum acidente, surgiram mistificações sobre os cientistas, que receberam proteção militar.
``Não fomos agredidos, mas as pessoas tinham muito medo de nós, éramos vistos como bruxos", comenta Boczko.

Precauções
A comissão que está organizando os preparativos para o eclipse foi indicada pela Sociedade Astronômica Brasileira, a pedido da União Astronômica Internacional, que impõe duas atribuições à comissão, na mesma escala de importância: a coordenação da parte científica envolvida e a divulgação dos cuidados que a população precisa tomar ao observar o eclipse.
Com o objetivo de esclarecer todas as pessoas sobre riscos de cegueira e garantir que o mundo não vai acabar em 3 de novembro, a comissão elaborou uma cartilha que explica o fenômeno e indica as melhores formas de observá-lo.
Conseguiram distribuir 3.000 exemplares em Santa Catarina, pagos pela prefeitura de Criciúma, mas ainda procuram patrocínio para lançá-la em São Paulo.
``Deve ter alguma empresa interessada em divulgar o eclipse, em troca de colocar o nome na cartilha", arrisca Irineu Varella, diretor do Planetário e responsável em São Paulo pela divulgação do eclipse.
``Perde-se a visão olhando diretamente para o eclipse, e isso não é mito", diz Boczko.
``Galileu perdeu parte da visão por observar eclipses com uma lunetinha", complementa Vianey.
O astrônomo italiano Galileo Galilei (1564-1642) ficou quase cego por fazer suas pesquisas olhando para o astro sem proteger os olhos.
A perda da visão não é instantânea e não dói. Após olhar para o eclipse a olho nu, a pessoa pode ir ficando gradualmente cega sem correlacionar a perda da visão com o eclipse.
Isso acontece porque, em ambientes claros, a pupila impede que a luz atinja a retina, uma parte do olho que pode ser danificada com a luminosidade. Na hora do eclipse, a semi-escuridão produz um relaxamento muscular da pupila, e a luz da coroa solar que fica à mostra entra e queima a retina, causando uma cegueira gradativa.
O professor Celson Diniz Pereira, que divulga o eclipse em Chapecó (SC) é radical: distribuiu na cidade folhetos que aconselham os pais a trancarem em casa os filhos menos obedientes aos cuidados de proteção.
Boczko concorda: "Se o pai acha que o filho vai ser suficientemente capeta de olhar para o eclipse a olho nu, deve trancar em casa mesmo, fechar as janelas, colocar uma venda nos olhos do moleque e acorrentar na cama, se necessário. Melhor evitar".
Amanhã acontece na USP um seminário sobre o eclipse aberto a professores de primeiro e segundo grau. Informações no telefone (011) 815-6304.

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