São Paulo, domingo, 16 de outubro de 1994
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Descasamento desastroso

RICARDO YAZBEK

Poucos dias antes das eleições, Edmar Bacha, assessor especial do Ministério da Fazenda e um dos criadores do Plano Real, concedeu entrevista à imprensa, onde elencou uma série de medidas a serem tomadas para garantir que o país continue na rota da estabilidade econômica.
Para ele, seis pontos devem ser atacados de imediato pelo novo governo: privatização, reforma tributária, descentralização fiscal, administração pública, previdência e Justiça trabalhista. Também considerou fundamental que se promova a revisão constitucional.
Lamentavelmente, entretanto, para o setor representado pelo Secovi-SP, Bacha não manifestou a intenção de rever e corrigir uma grave incoerência gerada a partir da Medida Provisória que instituiu o Plano Real: o descasamento de periodicidade e de índices de reajustamento entre o SFH (Sistema Financeiro da Habitação) e o mercado imobiliário.
O plano de estabilização preservou os critérios de remuneração das cadernetas de poupança e a indexação dos empréstimos e financiamentos do SFH. Isso significa que os bancos captam os depósitos de poupança, remunerando-os mensalmente segundo a variação da TR (Taxa Referencial) mais 0,5%. Esses recursos são posteriormente aplicados na aquisição e na construção de imóveis, com o reajuste do saldo devedor em periodicidade também mensal, segundo a variação da TR mais juros contratuais.
O detalhe é que, pela MP 635 e as demais medidas que a antecederam, os adquirentes da casa própria, mutuários do SFH, estão com seus salários congelados até a data-base de suas categorias profissionais, cujos reajustamentos nada têm a ver com a TR. Paralelamente, os incorporadores imobiliários estão com seus recebimentos mensais congelados por um ano.
Inadimplência generalizada ou um excepcional aumento do volume de ações judiciais. Estes, para os mutuários do SFH, serão os resultados perversos da política de juros elevados das cadernetas de poupança.
Da mesma forma que afeta drasticamente a vida dos mutuários do SFH, esse descompasso de saldos devedores e créditos gera um enorme desconforto entre os incorporadores imobiliários, podendo resultar na paralisação de empreendimentos em curso ou não contratação de novos. Em nível de economia nacional, as consequências são também graves, acabando por reduzir a oferta de imóveis e de empregos.
É preciso entender que o setor imobiliário é de longo prazo, sujeito, durante seu processo de produção e comercialização, a inúmeras flutuações de seus insumos, independente da taxa de inflação comum. No entanto, os valores dos imóveis em construção estão tendo seus preços inflacionados pela TR, na contramão do que busca o Plano Real. E o público é o maior prejudicado.
O preço a pagar por conta desse desequilíbrio será muito alto, insuportável, e terá de ser arcado por milhões de mutuários do SFH e dezenas de milhares de empresas que constituem o segmento produtivo do setor habitacional.
A persistir tal política, estará o governo disposto a promover o ``socorro" aos mutuários –como já fez em passado recente através de subsídio– ou deixar, simplesmente, a corda arrebentar?
Esperamos que o assessor especial do Ministério da Fazenda, bem como os demais membros da atual e da futura equipe econômica do governo, voltem sua atenção para esse problema. Só o bom senso poderá evitar danos incalculáveis ao setor imobiliário e aos mutuários do SFH.

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