São Paulo, segunda-feira, 17 de outubro de 1994
Texto Anterior | Índice

Rap paulista varia a batida

MARCEL PLASSE
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Gabriel, o Pensador pode ser forte no Rio e no pop, mas no rap ninguém bate os Racionais. O lado ruim da supremacia dos Racionais foi a proliferação de grupos com o mesmo tipo de inflexão vocal e temática consciente na periferia paulista, quase confirmando o velho preconceito de que rap é tudo igual.
Três lançamentos independentes mostram novas linhas.
``Para Quem Quiser Ver", do Doctor MC's, dispara como um dos melhores discos de rap do ano.
O CD vem influenciado pelos guinchos e baixos sincopados do Cypress Hill. Mas sua qualidade está na dosagem dessa recente influência com ``samples" de jazz e refrões de bailes, que são o forte do grupo.
O equilíbrio entre o jazz e bases de funk ``old school" (anos 70 e 80), em arranjos caprichados, criam um hip-hop ao mesmo tempo festivo e experimental, onde prevalecem os refrões fortes, na linha do Naughty By Nature (``O.P.P." e Hip-Hop Hooray").
As letras passeiam por racismo e violência policial (com ``sample" dos Racionais), mas o ponto central são os bailes –elogios ao talento do grupo e ataques a pretensos MC's (rappers) e mulheres fáceis, como no início do rap americano.
Doctor MC's conseguiu irritar as feministas do hip-hop com o hit ``Garota Sem-Vergonha", lançado numa coletânea em 1992 e presente no álbum.
Na coletânea de rap feminino ``Sociedade Alternativa - Elas por Elas", Rose MC livra o Doctor com a música ``Exemplo de Mulher", novo ataque às garotas sem-vergonha.
A melhor rapper de SP tem curso superior e não vem da periferia. Suas letras lembram Queen Latifah e YoYo, a protegida de Ice Cube –especialmente ``Paixão Bandida".
As outras meninas da coletânea passam bem distante do rap pesado. The Repent e Night Girls fazem boas canções de ``new jack", o soul com batida de hip-hop inventado nos 80, e Danny Dieis segue a piegas linha gospel cristã.
O disco ``Ex-Detento", de Piveti, vai na tendência do ``gangsta rap". É ``pa pum", como o rapper definiria. As onomatopéias de tiros de desenho animado dominam o LP.
Piveti surgiu como a voz irritada de ``Otários Fardados" (1992), do EP de estréia do grupo Pavilhão 9.
Em seu primeiro disco individual, ele exalta a violência como modo de vida. O rap vem carregado de gírias que definem armas, otários e malandros na periferia paulistana.
Mais porrada, só death metal podre de Minas Gerais.
Como nos ``gangstas" americanos, as bases de ``Ex-Detento" reciclam funk de George Clinton e Kool and the Gang. Não deixa de ser um avanço em comparação aos rappers cariocas lançados pelo selo Radical, que mal conseguiam encaixar rima e melodia.
Uma opção curiosa liga os três lançamentos: a colaboração de artistas de rock. Edu K (DeFalla), Cláudia França (Volkana) e Mau (Garotos Podres) aparecem no disco de Piveti, Tiquinho (Professor Antena), David e Sérgio San (Naked Brains) acompanham Rose MC e Patossauro (Yo-Ho Delic) toca sax numa faixa do CD do Doctor MC's.

Artista: Doctor MC's
Disco: Para Quem Quiser Ver
Gravadora: Kaskata's

Artistas: Rose MC, Night Girls, The Repent, Danny Dieis
Disco: Sociedade Alternativa: Elas por Elas
Gravadora: Kaskata's

Artista: Piveti
Disco: Ex-Detento
Gravadora: Radical
Preço: R$ 10,00 (o vinil, em média) e R$ 18,00 (o CD, em média)

Texto Anterior: Banda leva jazz ao terreiro
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.