São Paulo, quinta-feira, 20 de outubro de 1994
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Os erros do novo IPC-r

JAYME ALÍPIO DE BARROS

Os índices do IPC-r divulgados para julho, agosto e setembro, acumulando 13,56% de "inflação do real", excederam em 10,97 pontos os 2,59% que, apurados pela metodologia do INPC do IBGE, seriam corretos; a questão é jurídica, ou de interpretação da lei, e não meramente estatística ou econômica.
A criação do real decorreu da medida provisória 434, de 28 de fevereiro, que não fez referência ao IPC-r; dela resultou, depois, a lei 8.880, de 27 de maio, com a introdução no texto do Executivo, pelo Congresso Nacional, do artigo que inventou o IPC-r como novo indexador salarial.
Segundo a referida lei, a partir de 1º de julho, ou da primeira emissão do real, a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) "calculará e divulgará", até o último dia útil de cada mês, o Índice Geral de Preços ao Consumidor, série r (IPC-r), que refletirá a variação mensal do custo de vida em real para uma população objeto composta por famílias com renda até oito salários mínimos.
Tais referências, ao momento do cálculo e ao custo de vida "em real", deixam claro que não deveria existir um IPC-r do mês de julho –este poderia ser igual a 100, como base apenas– nem a consideração de anteriores preços em URVs, ou da inflação passada.
A medida provisória 542, do "Plano Real", ampliou o uso do IPC-r, para indexar obrigações constituídas a partir de 1º de julho, restabelecendo o erro da existência legal de dois índices de correção monetária, a Ufir e o IPC-r, ao lado da equívoca TR.
Assim, os 6,08% do IPC-r "de julho", legalmente inexistentes, como os 5,46% errôneos do IPC-r de agosto, geraram expectativas sem base jurídica.
Milhões de pessoas, credoras por salários ou por outras obrigações, somaram, com o IPC-r de setembro, aos seus créditos efetivos ou virtuais os "13,56% noticiados", de fato acrescendo às suas pretensões financeiras um excesso ilegal de 10,97%.
A transformação do IPC-r, índice restrito de preços, em indexador monetário genérico, constituiu um novo erro político do legislador provisório, que ignorou a metodologia dos respectivos cálculos; melhor teria sido manter o uso da média de três diferentes índices, em continuidade à URV.
Voltamos aos tempos em que o ministro da Fazenda, distante dos fatos, se declarava "surpreso" com cada novo índice divulgado pelo IBGE, órgão que ficou, novamente, com o poder de desvalorizar a moeda nacional à revelia das autoridades econômicas.
Pela portaria interministerial 389, de 29 de junho, resolveu-se que o IBGE deveria "produzir" o IPC-r com a mesma metodologia do INPC, mas, diferentemente daquele, com coleta de preços abrangendo sempre o período entre o dia 16 do mês anterior e o dia 15 do mês de referência.
Dessa forma, os primeiros 15 dias de julho seriam desprezados na coleta, o que contrariaria a lei 8.880; o IBGE resolveu, então, usar as informações da coleta de 15 a 30 de junho, com dados da inflação em URVs, produzindo um IPC-r ilegal de julho e um IPC-r errado de agosto.
Aguarda-se ainda uma lei definitiva sobre o Plano Real, reclamada até para corrigir erros, como a multiplicidade dos índices ditos "de correção monetária" e a outorga ao IBGE do poder de desvalorizar a moeda a cada mês.
A atribuição de certeza jurídica a dados meramente estatísticos transformou uma regra dos economistas, de que "o valor da moeda é o inverso do índice geral de preços", em 27 mil leis vigentes, cada uma relativa a um preço pesquisado ou "imputado"; assim, "o valor do real também é inversamente proporcional ao custo", para membros de famílias com renda de um a oito salários mínimos, de um quarto de motel em Belém do Pará.
O peso de tal despesa, de "recreação" das famílias, na desvalorização mensal do real é conhecido: corresponde aos "0,4210 fixados", em publicação do IBGE, para "motel" em Belém, na qual leite pasteurizado, médico, dentista, papel higiênico e "cursos diversos" aparecem com pesos menores, de 0,3755, 0,3923, 0,2564, 0,2626 e 0,3951, respectivamente. É de 0,2196 em Fortaleza e de 0,2306 no Rio de Janeiro, não tendo o "motel" peso nas despesas da tradicional família mineira e dos moradores de outras regiões.
Nos cálculos do IPC-r de agosto considerou-se também uma variação, de 20,05%, no "aluguel residencial", encontrada por 250 pesquisadores em 11 regiões metropolitanas, com a contribuição de 0,96 pontos no índice final.
Nessa proporção, qualquer devedor de R$ 100 em julho, embora por obrigação não locatícia, por lei passou a dever mais em setembro, desprezada a certeza de que, em cada caso concreto da coleta de dados, o aumento nominal informado pode ser resultante, apenas, do retorno ao exato valor do aluguel antes contratado. Tais 0,96% não refletem a inflação em real e conforme a lei.
Não errou o IBGE ao, até para manter coerência no uso dos dados ao longo do do tempo, considerar os valores nominais dos aumentos, inclusive os sazonais ou determinados no exterior ou por acidentalidade.
Errou talvez o legislador, ao transformar uma informação estatística isolada, ainda que correta ou necessária ao planejamento, em indexador direto do valor legal de dívidas de dinheiro; voltou, com o real, a insegurança jurídica, ou a inexistência de certeza quanto ao índice oficial da correção monetária e à exatidão deste.
Ao poder Legislativo cabe agora corrigir os erros da manutenção da Ufir, ainda "projetável" pela autoridade pítia da inflação futura, da utilização equívoca da TR como índice monetário, e da criação do IPC-r, feita com a adoção direta de um único índice estatístico e sem os "expurgos", da sazonalidade ou da acidentalidade, determináveis pelo bom senso.
Para tanto, será necessário que o Congresso Nacional ponha fim à série de medidas provisórias do Plano Real, legislando definitivamente, como exige o país: cabe lembrar que tal tarefa constitucional não pertence ao executivo, que continua suprindo as reiteradas omissões do Legislativo.

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