São Paulo, quinta-feira, 20 de outubro de 1994
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Ken Russell tenta unir pornô e elegância

ARNALDO JABOR
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Existem muitas maneiras de trair o cinema. Uma delas, muito sutil, é oriunda dos anos 60 e vem oculta com a pílula dourada da ``arte". Com a liberdade narrativa que a ``nouvelle vague" trouxe, rompendo com o império da estorinha e do enredo, ficou muito fácil para alguns cineastas europeus abrir mão de uma carpintaria dramática que os sábios americanos nunca largaram, a não ser nos guetos do ``new american cinema" e em alguns transgressores ``necessários" como Jim Jarmusch.
Ken Russell foi um dos inventores de um maneirismo que se nutriu de uma liberdade inventada pelos estruturalistas franceses. Foi um dos criadores de um cinema que parecia excesso de talento, excesso de coragem, quando, na verdade, não passava de um arroubo rococó que escondia um desejo comercial de atingir as massas com um halo de artista na cabeça.
Assim, Ken Russell está para o barroco de um Orson Welles, por exemplo, como Zefirelli estava para Visconti. É o mesmo tipo de diluição kitsch. Assim foram filmes como ``Os Demônios", assim foi a ópera ``Tommy".
Outros cineastas foram assim, como Frankenheimer, que tinha mais talento, como Nicolas Roeg, que fez um filme muito bom (``Inverno de Sangue em Veneza?"), como mais tarde o insuportável Terry Gilliam, com ``Brazil".
Depois de alguns anos, chegam acabanados a falsa valentia e este filme de Ken Russel, ``Lady Chaterley" (afinal, todos temos de ganhar o pão). O que serviu para chocar ``sexpoliticamente" a burguesia do início do século, hoje mais parece um ``mix" de filme de James Ivory com pornô leve.
O filme tenta nos fascinar com o elegante (sic) mundo inglês de castelos, jardins e mordomos e nos excitar com a sexualidade interclasses sociais, com o romance entre a castelã e o capataz Mellors.
Restam os ``restos do dia" de Ken Russel: câmeras anguladas temerariamente, um pouco de perversão, lentes de grande ângulo, ``travellings" descabelados e cortes bruscos para dar uma grifezinha perversa. Melhor do que ver este filme é alugar dois: um água-com-açúcar tipo ``Uma Janela para o Amor" e outro bem pornográfico, com Jeanne Fine, a rainha do sexo explícito.

Vídeo: Lady Chatterley
Diretor: Ken Russell
Elenco: Joely Richardson, Sean Bean
Produção: Inglaterra, 1994
Distribuição: Castle (tel. 011/ 536-0677)

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