São Paulo, quinta-feira, 20 de outubro de 1994
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Ford compõe a maior tragédia do Oeste

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

É difícil imaginar um modo melhor de abrir o ciclo de clássicos reconstituídos da 18ª Mostra: ``Rastros de Ódio" hoje é uma unanimidade mundial. O melhor John Ford. Um dos melhores faroestes de todos os tempos.
É verdade que já foi muito visto em TV ou vídeo. No cinema é outra coisa. Desde o momento em que Ethan Edwards (John Wayne) chega à casa de seu irmão, voltando da Guerra de Secessão, um clima de cisão, de coisa fraturada parece se estabelecer. Não demora até que seu irmão e cunhada sejam massacrados pelos índios.
As duas sobrinhas são raptadas. Resta a Ethan, vendo seu sangue destruído, a enorme solidão e uma determinação de ferro, que o levará a correr o Oeste, anos a fio, em busca das garotas (sobretudo de Debbie/Natalie Wood, que ele sabe estar viva).
Para que a solidão seja mais completa, ele tem a companhia do jovem Martin (Jeffrey Hunter), mestiço que ele odeia pelo simples fato de ser mestiço.
Amargo, Ethan seguirá em busca de seu sangue. Esse o centro do filme: a identificação de um homem com o grupo familiar, que o constitui, mas também o isola.
Assim como mostra seu personagem por inteiro –belo e detestável–, Ford enuncia a dilaceração que marca a própria conquista do Oeste, a contradição que faz do confronto entre brancos e índios uma verdadeira tragédia.
É o ponto de virada da obra fordiana. Se desde os anos 20 cantou em prosa e verso a ampliação do território dos EUA pelo avanço ao Oeste, se mostrou tantas vezes a maneira como os pequenos personagens, seus heróis anônimos, contribuíram para construir uma nação, ``Rastros de Ódio" enuncia o negativo dessa épica.
A fusão entre o branco e o índio, o simples contato que pode se estabelecer entre eles, é a circunstância em que a tragédia se mostra em sua plenitude. A destruição está em toda parte, nos atos como na organização mental (insanidade, por vezes) dos protagonistas.
Filme de maturidade, ``Rastros de Ódio" sabe melhor do que nenhum outro associar o deserto e o estranho desenho de Monument Valley à aridez de um Ethan que, após fazer história (na Secessão), agora é a encarnação dos impasses dessa história.

Filme: Rastros de Ódio
Produção: EUA, 1956. Falado em inglês, sem legendas
Direção: John Ford
Elenco: John Wayne, Jeffrey Hunter
Onde: hoje às 22h15 no Cinesesc

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