São Paulo, quinta-feira, 20 de outubro de 1994
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Caindo na real

O ministro da Fazenda, Ciro Gomes, em boa hora anunciou ontem um pacote de contenção do consumo e regulagem da política cambial. Mais do que mera correção de rumo, o governo reconhece que estabilização não rima com acesso ilimitado ao consumo.
Sua contenção é aparentemente antipática. Mas a experiência em outros países mostra que a população em geral consegue colocar a conquista da estabilidade em primeiro plano, mesmo quando essa conquista implica, também, algum ônus. A decisão é ainda mais oportuna diante das evidências recentes de falta ou encarecimento de matérias-primas e esgotamento de estoques de bens duráveis.
Na área cambial, as medidas anunciadas também poderão ajudar a corrigir desequilíbrios evidentes. A redução nos prazos de antecipação de exportações (ACCs) ataca o problemático excesso de dólares, desestimulando a transformação do comércio exterior em mera jogada especulativa. A tendência agora é cair a oferta de dólares. O mesmo efeito têm os impostos sobre capitais para investimento em renda fixa, empréstimos ou bolsas.
O governo estimula também a procura por dólares. Por exemplo, liberaliza as remessas para o exterior e a compra de dólar-turismo. Também regulamenta a participação de fundos de pensão na compra de títulos dolarizados.
Menos oferta e mais procura por dólares podem até mesmo levar a uma valorização dessa moeda, ou seja, a uma desvalorização do real. Nesse caso, o Banco Central poderia então vender dólares. Ao mesmo tempo evitaria a desvalorização e retiraria reais de circulação.
Como em todo pacote econômico, e o Brasil já os teve além da conta em muitos momentos de desequilíbrio, vai uma longa distância entre a intenção e os resultados.
Parte significativa da expansão do consumo, por exemplo, é fruto do ingresso no mercado de milhões de excluídos. Trata-se de um consumo reprimido que cresce como resultado imediato e irreversível da queda na inflação. Para essas camadas da população as restrições a cartões de crédito ou cheques especiais são irrelevantes. Mesmo na área cambial será preciso dar tempo ao tempo para saber se tantas medidas tópicas terão, em última análise, um efeito global positivo.
O mais notável, entretanto, é que o governo tenha abandonado a passividade. Saiu da celebração do real para cair na real..

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