São Paulo, sexta-feira, 21 de outubro de 1994
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Itamar e a Vice

JOSÉ SARNEY

Tive oportunidade, em várias vezes, de tentar mostrar ao país o que é para o presidencialismo a moderna concepção de Vice-Presidência da República. Chegou-se ao cúmulo de apresentar uma emenda sobre sua extinção, felizmente rejeitada pelo Congresso. Nessa época, pesaram os argumentos que expus sobre o cargo.
Volto, não para falar da teoria, e sim da prática. Examinemos o caso brasileiro. Acredito que nenhum país do mundo enfrentou em tão pouco tempo os testes de instituições capazes de dar continuidade ao regime, sem abalos sísmicos. Em menos de dez anos, em duas sucessões seguidas, tivemos os problemas mais graves que podem acometer a melhor de todas as excelências da democracia, que é a rotatividade do poder.
Em 1985, no dia da posse, adoece Tancredo Neves e, depois, morre. Com todas as dificuldades, no meio do processo de virada da história, graças à instituição da Vice, o país caminhou sem perguntar o que iria acontecer. Restaurou-se a democracia, o país cresceu 25%, a renda ``per capita" subiu 13%, o desemprego caiu para taxas residuais de 3%. Implantaram-se direitos sociais. Fez-se a sucessão, passamos a ser a segunda democracia do mundo ocidental, livre e questionadora.
Em 1992, um presidente é alvo de impeachment. As instituições balançam. Não se sabia como íamos passar por mais essa prova. Itamar Franco assume o poder e, exemplarmente, restaura a autoridade, a sobriedade, a austeridade, declara guerra à corrupção, limpa a administração pública, o Judiciário cumpre com sua missão, pune culpados, o Congresso corta sua própria carne e exerce o seu poder de polícia, cassa deputados, purifica o Orçamento, implanta métodos de evitar repetição desses fatos.
No meio desses gigantescos problemas, o presidente Itamar Franco, com grande habilidade e competência, costura um complexo plano econômico, o Real, e com determinação e sem individualismo o implanta. A inflação reflui. Processam-se as eleições em paz, em liberdade.
O presidente Itamar Franco fica com um crédito para com o Brasil, imenso. Cumpriu com as finalidades da Vice-Presidência, que é um cargo que só funciona nas crises. Ele geriu a crise e a dominou. Fez a estabilidade econômica, com o Real. Elegeu seu sucessor, um homem comprovadamente capaz, com reconhecimento intelectual e político em todos os segmentos. Respeitado até pelos vencidos.
Jacqueline Kennedy recebeu homenagens dos EUA quando morreu: ``Esta mulher, num momento difícil, no assassinato de seu marido, prestou um grande serviço ao país, na ajuda que deu à continuidade democrática. Ela avalisava, na sua coberta negra no Cemitério de Arlington, que as tragédias não quebram as instituições", rezou o seu elogio fúnebre.
Ninguém escolhe o tempo que governa. Luís 16, se pudesse escolher, escolheria o tempo de Luís 14, e este, jamais, os anos turbulentos da guilhotina.
Helmut Schmidt disse-me um dia em Xangai que a ele coube combater a Baden-Meinhoff, Koll, a queda do Muro de Berlim.
Aos vices cabe sempre administrar a tragédia. A Vice-Presidência cresce entre as instituições democráticas. É ela que evita o caos, e o presidente Itamar é um exemplo.

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