São Paulo, domingo, 23 de outubro de 1994
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–Como você define esse tempo em relação à época da contracultura, do regime militar?

MARIA ESTER MARTINHO

–Viver aquele tempo foi duro, mas hoje parece que a gente está vivendo uma época de isopor, assim, não sei, sem graça. A graça a gente precisa motivar o tempo todo. Estive em São Paulo para a Bienal do Livro e levei uma sacola cheia de cartões postais com a capa de ``Mosaical". E aí ia para os Jardins, fazia panfletagem. Gosto de fazer coisas assim. Tenho muito medo, às vezes, quando a gente está numa onda de criatividade, da coisa escapulir um pouco, por causa dessa gosma de subdesenvolvimento. Às vezes as pessoas empacam a tesão do babado.
–Quais são seus projetos, agora que o livro está lançado?
–Eu vou fazer um vídeo que chama ``O Músculo e a Fome". É uma trupe de circo, com palhaços e filósofos, que chega numa cidade qualquer do mundo, com suas vitrines, suas misérias. Também quero voltar a fazer performances. Fazia muita performance, fiz ``Os Monstros Acordam Cedo", eu ficava pelado, dançava, cantava, tirava umas coisas de dentro de uns sacos. Mas de uma hora pra outra comecei a ser muito requisitado, não dava mais tempo de pensar a coisa. Aí parei. Você tem que se cuidar pra não virar pastel requentado. E estou a fim de fazer um CD com minhas músicas de sucesso. Vai chamar ``Jorge's Hotel". Quero colocar uma parte acústica, outra com bastante som, outra comigo falando. E quero botar bastante pessoas novas para tocar. Mas eu quero estrela, não quero estrelismo.
–Você mesmo vai produzir o CD?
–É. Acho muito bom essa coisa que se instaurou no Brasil, e que poderia ser chamada de antimercado, das pessoas se autoproduzirem, a pessoa faz o CD dela, e vai entrando, arranjando distribuidora. Quebra um pouco essa geladeira das multinacionais, que já têm seu elenco de superstars e pouco estão ligando para outras coisas. Qualquer funcionário de gravadora dá opiniões sobre o que deve ser isso e aquilo com um garbo insuportável. E a produção, você não vê. Eu já batalhei com o chamado mercado, e ele está podre. Mas eu fico forte. Acho que para você ter uma ótica nova do mundo, não pode carregar peso.
–Como você vê a cena cultural brasileira de hoje?
–Vejo um quadro superpesado e desanimador no Brasil, mas não gosto de falar muito disso porque penso que se a gente fala, começa a espalhar uma coisa assim. Eu estou sempre procurando focos de luz, para tentar espalhar idéias, coisas maravilhosas. Ao mesmo tempo, você olha o Brasil, dentro de tudo isso é um país supernovo, tem os jovens, é bacana. Na Bienal do Livro, vi muita gente andando, gente sem dinheiro, que pegava qualquer folhetinho que aparecesse. Tem uma coisa no ar. O Brasil tem uma chama. Às vezes ela some. Mas que tem, tem. É isso que segura a onda da gente, que dá vontade de fazer coisas.
–Você é otimista em relação ao Brasil?
–Não sou otimista, mas acho que o Brasil tem um jeito bom, grande, bacana. No Brasil, toma-se tanto soco, e tem uma coisa assim que vai indo, vai andando. Ao mesmo tempo tem coisas insuportáveis, como por exemplo o Fernando Henrique dizer que não somos um país subdesenvolvido. Meu Deus, o Brasil está cada dia mais miserável. Outro dia voltei da Bahia de carro, paramos em Teófilo Otoni, tinha um monte de índios, magérrimos, paupérrimos, iguais àquelas fotos que você vê dos países mais pobres do mundo. Nós somos muito pobres. Eu acho que a saída disso tem que ser por outro barato, não pelo discurso que quer tapar a cara real das coisas com band-aid.

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