São Paulo, segunda-feira, 24 de outubro de 1994
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Garotos da Candelária chegam à 2ª geração

DANIELA RIBEIRO; ANTONINA LEMOS
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Um ano e três meses após a chacina da Candelária, a segunda geração daquele grupo de meninos está chegando.
Beth, 17, uma das sobreviventes do massacre, está no último mês de gravidez e espera o resultado dos exames para marcar a data da cesariana e dar à luz Vítor, que já mede 59 centímetros.
O pai de Vítor é Rogério, 18. Ele vive com Beth e também é um sobrevivente do crime.
Beth e Rogério dormiam junto à igreja da Candelária (região central do Rio) na madrugada de 23 de julho do ano passado quando quatro homens (policiais são os principais suspeitos) mataram oito meninos de rua no local.
"Minha maior lembrança daquela noite é o pânico dos garotos que estavam com a gente", conta Beth.
A história de Beth, Rogério e outros adolescentes da Candelária vai virar filme. A artista plástica Yvonne Bezerra de Melo vendeu à Paramount, por US$ 50 mil, os direitos da filmagem de seu livro ``As Ovelhas Desgarradas e seus Algozes".
O saldo entre os sobreviventes que prestaram depoimento sobre o crime é positivo. Dos oito garotos, seis conseguiram deixar as ruas: passaram a estudar ou trabalhar e vários moram com a família. Apenas dois voltaram a morar na rua, após um período estudando.
Outros garotos da Candelária, os que não tiveram proteção policial, mantêm o mesmo estilo de vida. ``Eles estão espalhados, saíram da Candelária e foram morar em outros lugares. Muitos estão presos", diz Cristina Leonardo, do Centro Brasileiro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente. ``O descaso em relação às crianças continua."

Gravidez
Após a chacina, Beth foi morar com a avó, Elza, com Rogério e mais 20 pessoas em uma casa no bairro de Botafogo. Rogério trabalha como faxineiro e ganha R$ 90 por mês.
Mesmo grávida, Beth adotou uma criança, Ígor, de sete meses. Quando morava na rua, ela era ``mãe" de 26 outras crianças. Rogério já tem uma filha, que mora na favela de Vigário Geral.
O casal discorda em alguns pontos: Beth tem vontade de conhecer a Disneylândia e o Havaí (EUA); Rogério sonha em se mudar para a Austrália. ``Lá os caras não têm como me pegar. Posso ficar velho", justifica.
O medo de retaliação é a principal preocupação das entidades que dão apoio aos sobreviventes da Candelária (por essa razão, esta reportagem não traz os sobrenomes dos adolescentes).

Colaborou ANTONINA LEMOS, da Reportagem Local.

LEIA MAIS Sobre os sobreviventes da Candelária à pág. 6-3.

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