São Paulo, segunda-feira, 24 de outubro de 1994
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América hispânica ensina a crescer

PAUL SAMUELSON

Antes de 1750 havia três grandes grupos linguísticos no mundo ocidental. O número de pessoas de língua inglesa era mais ou menos igual ao de pessoas de língua francesa. Agora, dois séculos depois, os anglófonos superam os francófonos em centenas de milhões.
A diferença, é claro, resultou da grande extensão do Império Britânico. A natureza odeia um vácuo, e o vasto continente norte-americano produziu uma explosão de nascimentos e migrações em direção aos EUA e ao Canadá.
Em números totais, as pessoas de língua espanhola vêm em segundo lugar, depois das de língua inglesa. Isso não se deve à própria Espanha, mas ao histórico das colônias espanholas no Novo Mundo, depois de Cristóvão Colombo.
As ambições imperiais do kaiser Wilhelm 2º não eram menores do que as inglesas e espanholas. Mas ele chegou atrasado à festa. E, em consequência disso, o número de pessoas que falam alemão, fora da Alemanha, é relativamente pequeno.
Os economistas ficam perplexos pelo fato de que nenhuma região de língua espanhola tenha desfrutado altos níveis de produtividade e altos índices de renda real per capita, em tempos modernos. Mas nem sempre foi assim. No século 16, a Espanha era conhecida por sua riqueza graças ao ouro e à prata latino-americanos.
Porém, essa oportunidade de riqueza econômica foi desperdiçada, por uma série de razões até hoje não inteiramente compreendidas. Mas nada dura para sempre. Desde os anos 60 a Espanha vem desfrutando um renascimento em seu crescimento econômico.
E, no Novo Mundo, as ex-colônias espanholas, que por tanto tempo desapontaram os observadores por serem democracias populistas, não fizeram jus às oportunidades e promessas que tiveram, mas recentemente começaram a emitir sinais de mudança.
O Chile é um desses casos. É possível que a mesma coisa possa ser dita do México e da Argentina.
Desigualdades
Qual a razão para um atraso histórico tão grande? E por que há lugar para esperanças fundamentadas de uma futura transformação positiva?
Por razões históricas, tanto no país de origem quanto no Novo Mundo, a estratificação por classes e os grandes desníveis entre ricos e pobres prevaleceram por muito tempo. (Lugares como a Holanda nunca foram paraísos de igualdade, mas seu grau de desigualdade era suficientemente menor para favorecer o desenvolvimento de sociedades de mercado bem-sucedidas.)
Os historiadores enfatizaram que as doutrinas da igreja medieval, desfavoráveis aos juros e ao lucro, também podem ter desempenhado um papel no mundo de língua espanhola. Mas é difícil entender como os acontecimentos entre 1850 e 1950, digamos, possam ter sido igualmente afetados por esse fator.
Os segredos do crescimento econômico não são tão difíceis de descrever. Mesmo antes da morte do general Franco, a Espanha já estava saindo de sua sonolência econômica. Tendo iniciado sua abertura para o comércio mundial e para a concorrência de mercado no plano doméstico, a Espanha cresceu num ritmo razoável entre 1960 e 1990. Um fator que a ajudou foi o fato de ter sido poupada da hiperinflação crônica que devastou a Argentina, o Brasil e a Bolívia.
A história espanhola nos anos 90 tem sido menos feliz. Quando as nuvens mundiais de recessão começaram a se espalhar, a Espanha começou a pagar caro pelos vestígios que conservara das estruturas corporativistas de Franco e Mussolini.
Ouvir sermões tirados de Adam Smith e Friedrich Hayek não é uma das coisas de que a Espanha e o México de hoje mais precisam. O retrato do Chile pós-ditadura vale mais do que mil palavras.
O índice de desemprego espanhol ultrapassa os 20%, enquanto o dos cansados EUA não chega a 6%. Por quê? Aqui nos EUA, os desempregados têm motivos para aceitar novos empregos, mesmo que estes paguem menos do que os antigos. Aqui os sindicatos aprenderam que, para poderem sobreviver a longo prazo, não devem travar uma guerra salarial de classes nem fazer greves repetidas por grandes aumentos salariais.
Flexibilidade
Não existe qualquer categoria trabalhista nos EUA que receba pagamentos automaticamente durante um, dois ou três anos, para substituir os salários antes pagos em setores produtivos que deixaram de ser lucrativos. Eu sou um daqueles economistas modernos que preferem uma economia mista a um capitalismo de "laissez-faire". Mas previno que, para que a economia mista possa funcionar de forma eficiente, justa e competitiva, é sempre preciso haver flexibilidade de ajuste a condições realistas de mercado.
Dizia-se antigamente que o álcool é a maldição da classe trabalhadora. Hoje em dia, seria mais exato prevenir que os mártires ideológicos são a maldição da classe trabalhadora.
Prevejo um futuro econômico promissor para as nações hispânicas. Mas, para que esse futuro aconteça, não basta desejá-lo. A economia é uma ciência à qual falta muito para ser exata –mas, embora suas leis possam tardar, elas não falham.

Tradução de Clara Allain.

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