São Paulo, sexta-feira, 28 de outubro de 1994
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Segredo do pato Bebek Betutu está no tempero

NINA HORTA
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE OXFORD

Durante o recente Simpósio Gastronômico de Oxford, no meio do bando de acadêmicos moços e velhos, mais velhos do que moços, é verdade, distraídos todos, brilhou Sri Owen, que pôs a mão na massa. Owen é de Sumatra, uma mulher de meia idade, rosto redondo como a Lua, dentes separados, sorriso pronto, cara de mãe. Está em seu terceiro livro, ``Rice", que vende como pão quente.
Logo na primeira hora foi avisando que iria fazer o almoço do dia seguinte para os cem participantes de Simpósio de Oxford. O prato estava em extinção, é claro, e chamava-se Bebek Betutu. Pedi uma prévia, olho no olho.
``E o que é Bebek Betutu", perguntei.
``Bebek Betutu é um modo de cozinhar um pato inteiro recheado com uma mistura de folhas e temperos. Conheci este prato em 62, quando fazia pesquisa para um livro, em Bali. O dono da casa chegou com tudo pronto, feito pela mãe, uma balinesa aristocrata e tradicional. Eram 12 patinhos pequenos, cada um embrulhado em seu pacote de folha de bananeira e recheado com folhas de mandioca rasgada. Temperadíssimo. A panela, uma casca de coqueiro, enterrada por horas nas brasas já quase extintas de uma fogueira. Quando abrimos os embrulhinhos a carne do pato estava escura e úmida e tão macia que desgrudava do osso só de encostar. Uma das coisas mais gostosas que já comi."
``E você pediu a receita na hora", perguntei.
``Pedi. Não o modo de fazer, que não tem segredos. Pedi a receita da mistura de temperos que era a alma do negócio. E todos me respondiam sempre a mesma coisa: `baso gede', que quer dizer tempero completo. E não foi fácil achar quem ainda soubesse fazer Bebek Betutu. Nem em Bali as pessoas têm tempo. É a novela, o trabalho, a casa nova de concreto, o pão branco da padaria. A lista de ingredientes de `baso gede' é grande, o cozimento dura horas. Custei para montar a receita."
``E como você vai conseguir preparar o Bebek Betutu para cem pessoas?"
``Inventei um jeito novo. Se a gente se apega demais às velharias acaba não fazendo nada. Quem ainda pode fazer uma fogueira no fundo do quintal? Quero mais é aproveitar o processador, até o microondas... Em vez de usar o tempero completo, uso `bumbu setengah', que significa tempero pela metade, na Indonésia. `Seludang moyang', que é a casca do coqueiro como panela, nem pensar. Mas não abdico das folhas de bananeira ou de uva pra embrulhar o pato, mesmo que ponha as folhas de papel de alumínio por cima."
Por um minuto fiquei com medo que Sri Owen não descolasse sua receita. Afinal, ela tem um restaurante em Wimbledon, e segredos do ofício são segredos do ofício.
``Owen, passa para cá essa receita de Bebek Betutu para os leitores da Folha. Pode ser com `bumbu setengah' ou `baso gede'. Lá nós damos um jeito. Passa logo prá cá."
Sri ainda filosofou, rindo com os olhos miúdos e sacudindo os ombros.
``Tenho cá minhas suspeitas que técnicas e pratos mudam muito mais depressa do que pensamos, sem deixar traço nem pista. Daqui a cem anos esta receita pode muito bem aparecer como típica do Brasil e ninguém vai desconfiar de nada..."
No dia seguinte, o pato de Sri Owen arrasou. Estava realmente muito saboroso, servido com arroz branquinho, uma salada de vagens e milhos bebês e outras misturinhas que não identifiquei. Só que ela já havia inovado, e era feito só com o peito do pato.
E sabem qual era a entrada? Pastel frio, este nosso pastel de cada dia, com o apelido de Martabak, quem diria, e que os indonésios acham que é uma comida de rua, inventada lá mesmo.
Já Sri Owen, que é a maior especialista em cozinha asiática, diz que o pastel pode ser um derivado do burek do Oriente Médio, levado para a Indonésia pelos mercadores muçulmanos ou recebido do sul da Índia, onde vendem coisas muito iguais na rua. Vai saber...
A receita
Um pato limpo de 2 kg e uma xícara de folhas de mandioca ou uva ou espinafre.
Para a pasta de marinada servem duas cebolas, quatro dentes de alho, cinco pimentas vermelhas sem sementes, duas nozes macadamia (opcional), duas colheres (chá) de sementes de coentro levemente tostadas, uma colher (chá) de sementes de cominho, dois cravos, dois cardamomos, meio pau de canela, uma pitada de noz moscada, meia colher (chá) de curcuma, 1/4 de colher (chá) de galingale (um tipo de gengibre, mas mais suave), pimenta-do-reino branca, a parte branca da raiz de erva-cidreira, pasta de camarão seco, três colheres (sopa) de suco de tamarindo ou de limão, duas colheres (sopa) de óleo de amendoim, duas colheres (sopa) de água e uma colher (sopa) de sal.
Para fazê-lo, bata todos os ingredientes no liquidificador. Leve ao fogo brando de seis a oito minutos, mexendo sempre. Deixe esfriar. Corrija o tempero. Misture com a metade da xícara das folhas rasgadas. Passe esta pasta por dentro e por fora do pato. Embrulhe com folhas de banana e três camadas de papel de alumínio.
Deixe então na geladeira por uma noite. Asse em forno médio de três a quatro horas. Abra o pacote. Transfira o pato para um prato e separe os sucos e o óleo. Coe, adicione a outra metade da xícara de folhas, aqueça um pouco e sirva como molho sobre o pato. Acompanhe com arroz branco. Se o pato for muito gordo, retire o excesso de gordura do molho.

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