São Paulo, sexta-feira, 28 de outubro de 1994
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Intolerância supera amor em `Vukovar'

EDUARDO SIMANTOB
DA REDAÇÃO

``Vukovar - Posta Restante", do diretor bósnio Boro Draskovic, se contrapõe em diversos aspectos ao documentário ``Bosna!", realizado pelo filósofo francês Bernard-Henri Lévy com o cineasta Alain Ferrari.
Ambos enfocam os conflitos que dilaceram a ex-Iugoslávia. Mas, enquanto ``Bosna!" se propõe a construir um discurso explicitamente engajado em favor dos ``partisans" da Bósnia, ``Vukovar" é uma ficção em que o amor entre um sérvio e uma croata se mostra impotente frente ao ódio nacionalista que alimenta a guerra.
Casamentos mistos entre sérvios, bósnios, croatas, macedônios, entre outras nacionalidades que compunham a ex-Iugoslávia, eram norma no país até que o vazio deixado pelo fim do comunismo foi preenchido pelo discurso nacionalista e de limpeza étnica.
No início de ``Vukovar - Posta Restante", essas idéias são ridicularizadas pela personagem Ana (a atriz Mirjana Jokovic, que trabalha também no próximo filme de Emir Kusturica, de ``Arizona Dream"), ao dizer que o homem do século 20 tem uma história genética de mais de 20 mil cruzamentos.
A violência presente no filme contrapõe-se radicalmente à explorada em outros destaques da Mostra, como ``Assassinos por Natureza" (de Oliver Stone). Afinal, quem realmente é assolado pela intolerância não vê razão para ``estilizar" a estupidez.
Ao acompanharmos a história de pessoas que, da noite para o dia, vêem suas vidas serem destruídas pelo irracionalismo nacionalista, verifica-se que o Holocausto da Segunda Guerra parece ter se tornado mera anedota.
Cinema na Sérvia
O produtor Zlato Mandzuka, de origem sérvia mas nascido em Sarajevo (Bósnia), está em São Paulo para apresentar seu filme na Mostra. Mandzuka falou à Folha que o filme de Draskovic procura, ao contrário de ``Bosna!", fazer um relato neutro sobre uma situação angustiante.
Para ele, a resolução do conflito não deve ser procurada através de uma interferência massiva das potências ocidentais, mas, sim, por um trabalho de conscientização interna da própria população.
Ex-executivo financeiro, Mandzuka montou com sua mulher, Danka, uma produtora na ilha de Chipre, em função do embargo econômico baixado pela ONU na ex-Iugoslávia. O filme foi produzido com seus recursos pessoais.
Comentando as condições de se fazer cinema na Sérvia, Mandzuka lamentou que a classe artística do país encontra-se dividida entre trabalhos de cunho pacifista e outros de propaganda nacionalista.
Mesmo assim, insiste em dizer que há liberdade de criação na Sérvia, tanto que o consagrado cineasta Emir Kusturica, de origem bósnia muçulmana, encontra-se hoje filmando em Belgrado (capital da Sérvia).
``Deve-se entender que o conflito não é entre bósnios, croatas ou sérvios, mas entre extremistas destas nacionalidades", diz ele.
``Vukovar - Posta Restante" já passou por cinco festivais internacionais antes da Mostra, mas foi rejeitado em outros como os de Tóquio e de Londres, em consideração ao embargo da ONU.
``Se o embargo valesse para todas as partes, talvez a região já estivesse se pacificando. No entanto, como sempre, é o lado mais fraco que é prejudicado", disse o produtor, referindo-se aos bósnios.

Filme: Vukovar - Posta Restante
Direção: Boro Draskovic
Onde: hoje, às 18h, na Sala Cinemateca, legendas em inglês

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