São Paulo, sexta-feira, 28 de outubro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O grande fosso

No século 18, o grande jurista italiano Cesare Beccaria escreveu: ``Um dos maiores freios dos delitos não é a crueldade das penas, mas a sua infalibilidade". Muitos brasileiros, infelizmente, parecem ainda não ter aprendido essa lição tão simples e tão antiga.
Num momento em que episódios inauditos de violência rasgam o país de norte a sul, é até natural que surjam algumas vozes clamando por penas mais severas para os marginais. Resta saber se o país de fato necessita de penalidades mais duras ou precisa apenas de que as leis sejam cumpridas.
No Brasil, curiosamente, existem dois grandes grupos: aqueles para os quais a ``Justiça" é dura demais e aqueles para os quais ela quase inexiste. De um lado, há um imenso exército de miseráveis que, além de estarem privados das condições mínimas de existência digna, têm pouco ou nenhum acesso à Justiça legal. Há até casos de pessoas que são presas, ``julgadas" e assassinadas por ``justiceiros", que, sem a menor cerimônia, usurpam as funções de policial, juiz e carrasco.
De outro lado, há membros da elite econômica e política para os quais o braço da lei é, por vezes, curto demais. Um governador do Nordeste, por exemplo, pôde disparar tiros contra seu rival político, permanecer no cargo, protegido pela imunidade, disputar eleições legislativas, eleger-se e poderá assim, muito possivelmente, ficar impune. De todos os que tiveram seus nomes envolvidos nos escândalos Collorgate e do Orçamento, apenas um, PC Farias, foi punido e ainda assim está preso preventivamente.
Seria ingênuo acreditar que esse imenso fosso de Justiça que se abre entre os mais miseráveis e os mais ricos não contribui para fomentar mais violência. O Brasil não pode almejar um lugar entre as nações civilizadas enquanto não conseguir fazer cumprir o princípio básico de que a lei é igual para todos. Isso, porém, ainda é pouco, muito pouco. O Brasil só vai tornar-se um país digno quando o grande fosso social entre ricos e pobres for substancialmente reduzido.

Texto Anterior: Mais ação
Próximo Texto: Cartórios menos cartoriais
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.