São Paulo, sexta-feira, 28 de outubro de 1994
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É hora de pensar no povo

JOSÉ ARISTODEMO PINOTTI

Estamos novamente observando a síndrome do adesismo. O sr. Lula aderiu antes de 3 de outubro. O presidente Itamar, seu governo e a grande imprensa aderiram desde sempre. Os outros governos estão aderindo agora.
O PMDB, PT e outros partidos, divididos nas suas bases –que se assustam em não ser governo ou entendem que o papel da oposição é árduo e neste momento antipopular– ensaiam adesão num movimento de arrivismo, relativamente comum nas democracias imaturas e na história política brasileira, que sempre primou pela falta de ideologias partidárias ou mesmo pessoais.
A esse movimento de irrestrito apoio vêm unir-se pensadores franceses encontrados pela imprensa, economistas ortodoxos norte-americanos e incontáveis personalidades nacionais e internacionais, para dar ao novo presidente a sensação de onipotência, que é nociva para qualquer governante que legalmente já tem excessivo poder no Brasil e que, em geral, tem tido no Congresso um órgão submisso e referendário.
Nessa ânsia de usufruir poder, ser amigo do rei sem ir a Passárgada e participar da partilha de cargos sem ser governo, esquecem-se os políticos brasileiros que, dentre as diversas dicotomias políticas, a mais importante para o sucesso de uma gestão democrática é aquela da situação/oposição.
A boa oposição é, sem dúvida, um ato necessário e politicamente construtivo, em que políticos conscientes e, se possível, inteligentes e conhecedores da situação nacional –sem qualquer cargo no governo, ou qualquer benesse da máquina pública– exercem o papel institucional de controle social, representando o cidadão que, na arquitetura política centralizada brasileira, está muito distante do poder central e quando vota em algum político de oposição é obviamente para que ele faça esse papel e de forma coerente com a proposta ideológica desse partido.
Há muita coisa a ser mudada neste país e não podemos nos esquecer que o atual presidente eleito é parte do governo que termina, durante o qual continuaram a aumentar pobreza e miséria, pioraram saúde, educação e moradia, obrigando uma enorme parcela do povo brasileiro a viver sem dignidade e fora de qualquer conceito de cidadania.
O próprio presidente eleito, Fernando Henrique Cardoso, caracteriza isso em uma de suas melhores frases: ``O Brasil não é um país subdesenvolvido, mas injusto".
Como oposição –e me coloco desde logo desse lado– fiscalizarei para que a economia e o plano econômico que elegeu o presidente não sejam um fim em si mesmos –ou ainda pior, como tem sido na história deste país, um mecanismo de maior privilégio para as elites econômicas–, mas instrumentos para o bem-estar social, qualidade de vida, dignidade e cidadania da gente brasileira.
Como oposição, exercerei continuamente pressão para que o desenvolvimento não seja, mais uma vez, confundido com importação de carros bonitos ou construção de usinas nucleares, pontes, túneis ou viadutos.
Desenvolvido é o país que oferece à sua população qualidade de vida, empregos com salários dignos, comida na mesa do trabalhador, saúde, educação, moradia e segurança para todos, criando-se uma classe média forte, politizada e numerosa.
Isso se fará através da estabilização econômica, com ampla e cuidadosa modificação tributária, acompanhada de eficiente e criativa política de desenvolvimento com base em ciência e tecnologia e partilhada com o povo.
Além disso, é essencial a existência de políticas públicas na área social eficientes, viáveis, adaptadas à nossa realidade, criativas e, acima de tudo, com gerenciamento descentralizado para permitir e suscitar participação do usuário, controle social e maior eficiência administrativa.
Espero e creio que esta seja a intenção do presidente eleito, mas estou absolutamente certo de que ele só a alcançará se tiver uma oposição responsável, patriota, não-sistemática, séria e também pronta a colaborar, quando houver convergência de idéias, e que, principalmente, não esteja interessada em fazer acordos para obter cargos ou favores.
Em nome dessa oposição, o presidente poderá se defender dos apetites vorazes dos países ricos e da elite econômica que o elegeu e a quem ele precisará trair para não trair o povo brasileiro.

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