São Paulo, domingo, 30 de outubro de 1994
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Eleito vai precisar equilibrar contas do Estado

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
EDITOR DO PAINEL

O próximo governador de São Paulo levará, no mínimo, de seis a nove meses para equilibrar o orçamento estadual. A previsão é do atual secretário de Planejamento, José Fernando Boucinhas, 51.
Na condição de secretário que melhor pode avaliar a situação do Estado, pois desde 15 de agosto acumula também a Secretaria da Fazenda, Boucinhas prevê que este é o período necessário para o eleito em 3 de outubro ajustar o fluxo de caixa estadual aos pagamentos atrasados que encontrará.
Por 25 anos diretor da Boucinhas & Campos Consultores, ele diz que a privatização de estatais estaduais é fundamental. E dá exemplos: Sabesp e Fepasa.
Defende a mudança do perfil do Estado, mas acha que o processo demorará alguns governos para ser implementado. Na quinta-feira, ele recebeu a Folha para uma entrevista. A seguir, os principais trechos:

Folha - Qual é a situação das contas do Estado de São Paulo?
Boucinhas - Como todo setor público no país, o Estado de São Paulo passa por dificuldades financeiras. Mas, praticamente, de curto prazo, que decorrem de uma queda na arrecadação. Para se ter uma idéia, se comparada com a de 90, a arrecadação nos anos de 91, 92, 93 –ao longo do governo Fleury, portanto– apresentou uma perda de US$ 8,5 bilhões.
Folha - Com o real a arrecadação não voltou a subir?
Boucinhas - A arrecadação voltou a subir a partir do mês de agosto. Em parte em função do Plano Real e também porque foi adotada uma política de combate à sonegação. O Estado enfrenta situações de dificuldade de curto prazo associadas, como eu disse, à queda da arrecadação, que redundaram num atraso do pagamento de fornecedores, que é inegável, e que agora começa-se a regularizar.
Mas o Estado não está falido. A longo prazo a situação econômica do Estado é saudável. São Paulo tem capacidade de pagar suas dívidas, ultrapassado os constrangimentos que temos vivido em função da recessão do país.
Folha - O sr. acha que esse período vai durar quanto tempo mais?
Boucinhas - Se nós mantivermos a arrecadação no nível em que está, até o segundo ou o terceiro trimestre do ano que vem as finanças do Estado, no que tange ao relacionamento com fornecedores, estariam equilibradas.
Folha - Isso na melhor das hipóteses. Então o futuro governador vai demorar, pelo menos, de seis a nove meses para equilibrar o orçamento?
Boucinhas - Isso, para, digamos, ajustar os fluxos de caixa aos atrasos que ele vai encontrar. O governador Fleury, no que tange ao atrasado com fornecedores e empreiteiros, está deixando o governo basicamente no mesmo nível que encontrou ao assumir.
Folha - Como ficarão as dívidas com empreiteiros?
Boucinhas - Bom, o projeto que está sendo enviado para a Assembléia visa um equacionamento da dívida com os empreiteiros e da dívida do Estado com o Banespa também. Não há como reduzir o nível de endividamento de forma expressiva sem que o Estado venda ou aliene parte dos seus ativos. Então, o programa encaminhado reflete exatamente isso.
Folha - E o que vai ser necessário alienar ou vender?
Boucinhas - Primeiro, ações que o Estado tem das empresas que ele é proprietário, das estatais.
Folha - Seria uma venda do controle acionário ou só das ações sem direito a voto?
Boucinhas - O projeto de lei não especifica se a venda vai ser do controle acionário ou não. O que ele prevê é que o fundo que vai ser constituído para a amortização dessa dívida vai ser subscrito por ações de propriedade do Estado. Caso o próximo governador deseje privatizar alguma empresa –como eu acho que deveria fazer-, ele vai precisar de autorização legislativa caso a caso para poder transferir as ações que dão o controle acionário da empresa.
Folha - Esse fundo vai montar a quanto?
Boucinhas - Essas ações das empresas estatais, mais eventuais ativos e imóveis e outros direitos do Estado devem aproximadamente atingir uma cifra da ordem de uns US$ 15 bilhões, no mínimo.
Folha - Quais empresas do governo do Estado o sr. acha que poderão ser privatizadas?
Boucinhas - Eu acho fundamental a privatização não somente para resolver um problema de endividamento do Estado, mas porque hoje nós temos empresas que operam num nível de eficiência abaixo do desejável, cuja gestão sofre constrangimentos pelo fato de ser propriedade do Estado. Por exemplo, uma empresa estatal hoje para trocar um computador tem que se envolver num processo administrativo tão intenso, que, às vezes, demanda 24 meses para fazer algo que numa empresa privada você faz em dois meses.
Não há razão para o Estado permanecer no setor de distribuição de energia. Os exemplos que nós temos indicam que isso na mão de um empreendedor privado é muito melhor. No setor de saneamento básico claramente o caminho vai ser esse. O Estado tem uma empresa, a Sabesp, que atende a mais de 300 municípios e que poderia ter um desempenho muito melhor do que tem apresentado se tivesse sendo gerida sem os constrangimentos de uma estatal.
Folha - E a Nossa Caixa?
Boucinhas - A Nossa Caixa e o Banespa têm que, digamos, se articular e integrar suas operações.
Folha - Virar um banco só?
Boucinhas - Virar um banco só. Essa duplicidade não tem nenhuma explicação lógica hoje.
Folha - Fora a setor energético, distribuição de energia, saneamento básico e essa reestruturação dos bancos estaduais, quais outros setores?
Boucinhas - A Fepasa é um grande sorvedouro de recursos públicos. E nós já temos visto em outros países que a delegação da operação das ferrovias ao setor privado tem trazido resultados muito favoráveis. O Metrô é algo mais complexo. As parcerias aí precisam ser efetivadas ao nível do investimento, da concessão de exploração de áreas do Metrô.
Folha - Há um candidato –Francisco Rossi– que falou que vai parar o Estado para balanço. E há outro dizendo que São Paulo não pode parar, no caso do candidato a governador do PSDB, Mário Covas. Qual das propostas o sr. acha que condiz mais com a realidade?
Boucinhas - O Estado de São Paulo não é uma loja de armarinhos do subúrbio que o governador ou quem quer que seja pare para balanço. Isso é ridículo. São Paulo é metade do Brasil e nós não podemos nem pensar nisso. Fica até difícil comentar esse tipo de idéia, porque isso, na minha opinião, é uma bobagem.
Folha - O sr. vem da iniciativa privada e entrou na área do governo há pouco tempo. Acabando este mandato como secretário o que o sr. pretende fazer?
Boucinhas - Pretendo voltar para minha atividade privada. Foi, realmente, uma experiência fascinante que eu passei. Quem é do setor privado também tem preconceitos quanto a, digamos, ao funcionalismo do Estado. Não é possível você transferir princípios e práticas da administração privada para o Estado sem qualquer adaptação. Você não pode chegar, sentar numa cadeira achar que vai gerir uma secretaria como você gere a sua empresa.
Folha - O sr. não acredita que seja possível adaptar ao setor público esses modelos, que hoje estão muito em moda, de programas de Qualidade Total?
Boucinhas - Acho. Mas, como eu disse, muitos desses conceitos precisam ser trazidos de uma maneira diferente. Acho preciso repactuar o perfil do Estado. É um processo que precisa ser desencadeado e que tem um período de maturação que eu acho que não é curto não. É tarefa para alguns governos...

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