São Paulo, domingo, 30 de outubro de 1994
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Alunos retratam violência do Rio em desenhos

FERNANDO MOLICA
DA SUCURSAL DO RIO

Para alunos de uma escola do morro do Cantagalo, em Ipanema (zona sul do Rio), o desenho do cotidiano inclui tiroteios, assaltos, assassinatos e vôos de helicópteros da polícia.
Na última sexta-feira, a pedido da Folha, alunos de turma da 2ª série do 1º grau do Complexo Escolar Municipal Presidente João Goulart fizeram desenhos que deveriam ter como tema a vida em suas comunidades.
Em nenhum momento foi insinuado que os alunos deveriam retratar alguma forma de violência.
Havia troca de tiros em seis dos desenhos. A palavra ``assalto" foi escrita em dois deles.
Quatro trabalhos ilustram homicídios: em um deles, um personagem sorridente dispara vários tiros contra um corpo estendido. Outros três personagens, também sorridentes, empunham revólveres.
O desenho é complementado pela ilustração de uma casa e de um céu estrelado. Em destaque, o nome do bairro de Ipanema.
O resultado dos desenhos não surpreendeu a diretora da escola, Tânia Martins. Segundo ela, a violência é um tema que os alunos sempre levam para a sala de aula.
Segundo ela, os tiroteios e helicópteros surgem não apenas em desenhos, mas também em muitas das redações.
Os alunos, em sua maioria, moram nas favelas do Cantagalo, Pavão/Pavãozinho e Rocinha, todas na zona sul do Rio. Eles têm entre 7 e 12 anos.
Com cerca de 13 mil moradores, o morro do Cantagalo foi, até meados do ano passado, palco de batalhas entre traficantes e entre estes e policiais.
A maior disputa foi com integrantes de quadrilhas que dominavam o tráfico nos morros Pavão e Pavãozinho, que ficam ao lado do Cantagalo.
A guerra foi interrompida, mas suas consequências permanecem. Segundo a diretora da escola, muitos alunos do Pavão/Pavãozinho foram obrigados a abandonar a Presidente João Goulart –eles foram impedidos de ir ao morro do Cantagalo.
Hoje, a escola tem mais alunos da Rocinha (que fica em São Conrado, a 7 km de Ipanema) do que do Pavão/Pavãozinho.
A Presidente João Goulart funciona em um prédio que deveria abrigar um hotel cinco estrelas, com vista para as praias de Ipanema e Leblon e para a lagoa Rodrigo de Freitas.
A obra foi abandonada e, em 1983, o então governador Leonel Brizola decidiu reformar o prédio e ali implantar uma escola de tempo integral.
O prédio abriga ainda repartições públicas e oficinas de arte, quadras de esporte e a sede da Surfavela, entidade que reúne surfistas moradores em favelas.

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