São Paulo, domingo, 30 de outubro de 1994
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Juízes e psicanalistas pregam fim da igualdade perante a lei

EUNICE NUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Direito e a Psicanálise têm mais coisas em comum do que se imagina. A intersecção entre as duas áreas suscitou o interesse de 1.200 pessoas de todo o País e da Argentina, que se reuniram no auditório da Reitoria da Universidade Federal do Paraná, em Curitiba, para discutir questões de cidadania durante o Encontro Brasileiro de Direito e Psicanálise.
Os valores transformaram-se. O conceito de cidadania está em transformação. E a questão da igualdade permeia todas as mudanças em curso.
``É preciso substituir o discurso da igualdade (todos são iguais perante a lei) pelo da diferença. A desigualdade é real e seu reconhecimento pode contribuir para superá-la", afirmou Alícia Ruiz, professora de filosofia do direito da Universidade de Buenos Aires.
Mas ela alerta que a igualdade declarada na lei não pode ser abandonada de repente. ``Por mais formal que seja, essa igualdade carrega marcas valiosas de nossa cultura e de conquistas difíceis obtidas na busca de uma sociedade melhor. Este dilema torna complicada a construção de uma noção de cidadania a partir da diferença".
Para Alícia, o Direito como forma de ordenar as relações precisa incorporar o discurso da diferença. ``O Direito constrói uma ilusão. Ele reprime, censura e encobre a realidade, mascara todo o conflito social. Parece que mantém tudo sob controle", disse.
Gérard Pommier, psicanalista francês membro da Fundação Européia para a Psicanálise, afirmou que a marcha para a igualdade é o motor da história, lembrando que há pouco tempo (desde a Revolução Francesa) a igualdade se tornou um objetivo político.
``A igualdade é preferida à liberdade. Veja-se os sistemas socialistas conhecidos, nos quais os homens, por livre vontade, sacrificaram a liberdade em função da igualdade".
Segundo Pommier, o Direito está do lado da igualdade (e democracia é reivindicação de igualdade) e é a representação de alguns fatos da história.
Ele pondera sobre o Direito-ficção, uma vez que as leis escritas refletem uma determinada época e acabam estancadas no tempo. Indaga também se as leis são justas e aponta as diferenças entre o Direito e a Justiça.
Para o psicanalista, ``o Direito se aproxima da Justiça, mas são diferentes. O surgimento de novas leis serve para atenuar diferenças. O Direito estará sempre atrasado em relação ao ideal de Justiça".
``A lei na psicanálise não tem a cara de isonomia que tem no Direito. Para o Direito, a submissão à lei é para todos. Dependendo da reação do sujeito à lei estaremos diante de uma personalidade psicótica, neurótica, etc.", disse Ciro Marcos da Silva, juiz aposentado e professor de Direito Processual Civil em Minas Gerais.
``O Direito proíbe o gozo. O mesmo acontece com a toxicomania. O Direito regulador das relações sociais proíbe o gozo tóxico, segregando-o e segregando os infratores da linha da lei", disse.
O professor mineiro criticou o atual discurso do Direito, ``que se julga auto-suficiente, mas muitas vezes é arrogante e decrépito, provoca descrédito".

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