São Paulo, domingo, 30 de outubro de 1994
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Contrato Coletivo de Trabalho

VICENTE PAULO DA SILVA

Temos uma proposta de construção de um novo sistema de relações de trabalho no Brasil. Os princípios contidos na atual legislação do trabalho reforçam os alicerces do corporativismo sendo responsáveis por uma prática muitas vezes autoritária, artificial e, portanto, contrária aos nossos interesses de classe.
O conteúdo crítico dessa constatação não se dirige somente ao movimento sindical dos trabalhadores. Também o lado patronal se utiliza da C.L.T., no que diz respeito à sua forma de organização. Resulta dessa dinâmica uma distorção no papel concretamente desempenhado pelas entidades sindicais de ambos os lados, ressalvadas as exceções.
O monopólio de representação sindical – imposto pelo princípio da unicidade, o recolhimento da contribuição sindical compulsória e a estrutura atual da Justiça do Trabalho são exemplos típicos do atraso de nosso modelo de relações do trabalho.
A Central Única dos Trabalhadores vem defendendo desde sua fundação em 1983, a adoção dos princípios de liberdade e autonomia sindical – através da ratificação da Convenção nº 87 da OIT, o fim do ``imposto sindical", o direito de representação dos trabalhadores no interior da empresa e uma ampla reforma da legislação e do papel da Justiça do Trabalho.
Em seu 3º Congresso nacional, realizado em setembro de 1988, na cidade de Belo Horizonte, a central assumiu a defesa do contrato coletivo de trabalho como elemento estratégico para o avanço da democracia nas relações de trabalho e superação do sistema corporativista ainda vigente. O contrato coletivo já é amplamente aplicado sob formas diversas noutros países, significando um patrimônio das relações entre capital e trabalho.
Tendo realizado inúmeros eventos com as instâncias da central, envolvendo setores do governo, empresários, universidades e em contato com o movimento sindical de outros países amadurecemos nossa proposta de superação do modelo corporativista ainda praticado no Brasil. Às idéias básicas de liberdade e autonomia sindical e contrato coletivo de trabalho incorporamos a noção de que é preciso construirmos um ``Sistema democrático de relações do trabalho".
E, mais do que isso, defendemos que esse novo sistema não seja implantado de um dia pra outro, mas que seja precedido por mecanismos que garantam um período de transição. Isto porque, o atual sistema – vigente há meio século, não é sustentado hoje somente por imposição da lei. Há elementos culturais fortíssimos que induzem a reprodução, na prática sindical, dos princípios corporativistas.
Reiteramos nossa disposição de participar de um amplo debate nacional que busque definir caminhos negociados para a transição do velho para o novo. Aliás, já demonstramos nossa disposição para o diálogo, através de gestos concretos, como por exemplo, nas Câmaras Setoriais. além do acordado formulamos propostas direcionadas à democratização das relações de trabalho.
Para darmos passos concretos, propomos:
– no plano da organização sindical a ratificação da Convenção nº 87 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), a fim de que se estabeleçam os princípios de liberdade e autonomia sindical plena, propiciando a construção da verdadeira unidade sindical, assegurando-se o direito à organização autônoma dos trabalhadores a partir de seu local de trabalho.
– quanto à negociação coletiva, que os acordos, convenções coletivas e sentenças normativas (dissídios coletivos) passem a ter aplicação por tempo indeterminado, caso as partes não cheguem a novo acordo até a data-base. Quando houver novo acordo, o anterior perde a validade sendo automaticamente substituído.
Além disso, a Justiça do Trabalho só poderá intervir nas negociações coletivas – isto, é, julgar dissídios coletivos de greve ou campanha salarial, se for chamada de comum acordo pelas partes. Passará a atuar, nessa hipótese, como uma arbitragem pública voluntária.
Deve ser assegurado o direito à substituição processual plena, respeitando-se o que está previsto na Constituição Federal. Não é aceitável que se restrinja um direito constitucional através de Enunciados do TST (Tribunal Superior do Trabalho). É preciso lembrar que uma das causas do grande número de processos individuais que sobrecarregam a Justiça do Trabalho é a limitação das hipóteses de exercício deste direito. É indispensável que se reconheça aos sindicatos a legitimidade para propor ações, em nome de seus representados, que visem obrigar o empregador a cumprir os direitos trabalhistas.
No que diz respeito à Justiça do Trabalho precisamos buscar uma redefinição global de seu papel e sua estrutura. A extinção do modelo atual de juiz classista, a redução das possibilidades de recursos às instâncias superiores, a adoção de mecanismos mais rápidos de solução de conflitos são apenas algumas, dentre inúmeras medidas a serem tomadas para que a Justiça do Trabalho cumpra sua função de proteger os direitos do trabalhador.
Um profundo debate em torno dos direitos individuais do trabalho é outra tarefa prioritária. Devemos buscar, no médio prazo, a transformação da CLT numa legislação que seja compatível com os novos tempos.
Precisamos de uma legislação trabalhista cujos direitos não fiquem apenas ``no papel", mas que se convertam em instrumentos capazes de impulsionar o efetivo exercício da cidadania no mundo do trabalho.
Não podemos continuar convivendo com uma lógica que impõe ao trabalhador a espera da demissão para, só então, ir aos tribunais lutar por direitos do passado. É fundamental que a nova legislação se efetive na prática, no cotidiano da empresa, sendo conhecida e respeitada por patrões e empregados. Para isso, é essencial que se criem canais preventivos para a solução dos conflitos inerentes à relação de trabalho.
Queremos viabilizar acordos de âmbito nacional que respeitem as diversas realidades regionais e, ao mesmo tempo, preservem os avanços já obtidos pelos sindicatos, principalmente os pequenos, alvo de nossas preocupações.
Defendemos também a imediata ratificação da Convenção nº 158 da OIT, já aprovada pelo Congresso Nacional. Através de sua aplicação teremos um sistema de proteção contra a despedida arbitrária, previsto em nossa Constituição, mas até agora não regulamentado.
Garantiremos, dessa forma, o fim do autêntico regime de terror ainda vivido em muitas empresas, onde o medo de ser despedido a qualquer momento faz com que os trabalhadores se sujeitem ao arbítrio e a prepotência de chefias autoritárias.
Com tais propostas, estamos certos de poder contribuir com o debate e preparar o salto democrático indispensáveis às relações entre capital e trabalho no Brasil.

fim

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