São Paulo, domingo, 30 de outubro de 1994
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Universidades e empresas acirram pesquisas sobre genes do câncer

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Muito ativa é a pesquisa de novos genes cancerígenos. Só em três meses, no começo do ano, duas equipes localizaram independentemente dois genes de um tipo hereditário de câncer não poliposo do cólon e outra equipe localizou, mais tarde, o gene de raro câncer mamário.
As descobertas relativas ao câncer do cólon foram feitas por métodos diferentes e, em vez de se limitarem ao reconhecimento dos genes que causam a doença (oncogenes e genes supressores), encararam o que é provavelmente a causa primária do tumor, isto é, como a célula desenvolve a capacidade de passa rapidamente do estado normal ao canceroso.
Em dezembro de 1993 Bert Vogelstein, da Johns Hopkins, e Richard Kolodner, da Harvard, isolaram independentemente o gene hMSH 2 daquele tipo de câncer do cólon. Em março seguinte os mesmos grupos isolavam do mesmo tumor um segundo gene (hMLH 1) ativo em 30% dos casos, ao passo que o outro age em 60%, de maneira que, combinados, os dois genes respondem pela maioria desses tumores hereditários (HNPCC).
Os trabalhos da equipe de Vogelstein foram publicados em ``Science" e os de Kolodner em ``Nature".
Os dois genes fazem parte de um mecanismo de reparação do DNA, (o seu material básico). O DNA é formado de dois filamentos helicoidais ligados entre si por pares de unidades (nucleótides) distribuídos especificamente ao longo dos filamentos.
A ocorrência de desparelhamento nesses pares é consequência de erro genético. O conserto dessas falhas de conexão é realizado pelos genes referidos, que proporcionam as enzimas necessárias para o reparo. Esse trabalho é providenciado assim que acontece o desparelhamento em algum par de nucleótides, impedindo o acúmulo de erros no decurso de sucessivas gerações de divisão celular, o que poderia ensejar o advento de mutações cancerígenas.
O gene hMSH 2 foi localizado no cromossomo 22 e o outro no 3. As duas equipes utilizaram processos diversos para localização do gene hMLH 1. Ainda não está perfeitamente definido o papel desses genes no processo do reparo, mas os cientistas acham que deve haver um terceiro gene (pelo menos) responsável pelos restantes 10% do número total de casos.
Uma das questões levantadas pela elucidação do mecanismo de reparo é a possibilidade que os pesquisadores agora possuem de desenvolver um teste para triagem dos portadores do câncer do cólon não poliposo hereditário, o que só se espera estar pronto para daqui a algum tempo.
Demorou quatro anos a identificação do gene do raro tipo de câncer mamário hereditário (BRCA 1) cuja incidência é de apenas 5% de casos de câncer do seio. Mas afinal Donna Shattuck-Eidens e Mark Skolnick chegaram à localização do gene no cromossomo 17, que abriga também os genes, entre outros defeitos, do câncer colorretal, da neurofibromatose, da osteogênese imperfeita e da deficiência do hormônio de crescimento. A descoberta foi feita em conjunto pela Universidade de Utah e pela Myriad Genetics, empresa que funciona em Salt Lake City. O fato foi divulgado em ``Science".
A doença provavelmente resulta de alterações adquiridas após o nascimento. Os especialistas consideram a possibilidade de criar teste para reconhecimento de tendências, o que não será fácil, e cuja aplicação é desde já muito discutida. Embora os cientistas ainda ignorem como esse gene causa o câncer, já sabem que ele deve conter a chave mestra que, no núcleo das células, desencadearia o processo tumoral.
Na verdade, ainda se ignora a extensão do papel do BRCA 1 na história do câncer mamário, havendo quem imagine a intervenção de outros genes, provavelmente mais três, nesse processo.

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