São Paulo, domingo, 30 de outubro de 1994
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Maior parte das críticas é política

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

Ninguém sério nos EUA contesta a maioria dos dados objetivos enfatizados por Charles Murray e Richard Herrnstein em ``The Bell Curve".
Ou seja: há uma diferença média de 15 pontos entre os QIs coletivos de brancos e negros nos Estados Unidos, essa diferença não diminui – ao contrário, aumenta – entre pessoas de classe média das duas etnias em relação aos pobres das duas raças e, pelo menos em parte, o nível de inteligência humano se deve a fatores genéticos, não culturais.
As críticas ao livro são, quase todas, políticas. As mais simplórias se limitam a denunciar o suposto racismo dos autores ou a enfatizar a obviedade (admitida pelo livro) de que as evidências não contestam que indivíduos negros tenham índices de QI superiores aos dos brancos.
Mesmo conservadores fazem restrições políticas a ``The Bell Curve". Acham que o livro é um libelo contra a tradição americana de igualdade de oportunidades para todos e reforça a noção de multiculturalismo e de quotas raciais.
Até na instituição a que Murray pertence – o American Enterprise Institute – alguns colegas ressaltam problemas metodológicos no livro. Douglas Besharov é um deles. Besharov acha que a tese da irreversibilidade dos níveis de QI das pessoas é discutível.
Segundo ele, não há evidência científica, por exemplo, de que o comportamento da mãe durante a gravidez não possa resultar em aumento ou diminuição do QI do feto ou de que o seu nível não possa ser alterado de maneira dramática durante os primeiros dois anos de vida, quando o número de sinapses no cérebro humano aumenta 20 vezes. Para Besharov, só essas possibilidades justificam o investimento em programas de auxílio a grávidas e crianças pobres.
Há, por exemplo, o caso do projeto Abecedarian, em Chapel Hill, Carolina do Norte, costa leste dos EUA, em que se produziu aumentos médios de 16 pontos nos QIs de crianças em idade pré-escolar (entre 3 e 36 meses).
Muitos observam que equiparar QI a inteligência é um erro crasso e por isso desprezam todas as conclusões de Murray e Herrsntein.
Outra inconsistência de ``The Bell Curve" apontada por vários críticos respeitáveis é que seus autores reconhecem como real o ``efeito Flynn" (em homenagem a seu descobridor, James Flynn), que na prática destrói a essência da noção de que o QI baixo de um grpo social é irreversível.
Flynn constatou que o índice médio de QI de várias nações tem crescido desde a década de 10 ano após ano de maneira vagarosa mas consistente. Desde o fim da Segunda Guerra, por exemplo, o QI médio norte- americano aumentou cerca de 15 pontos.
Murray e Herrsntein julgaram ter superado a alegada incoerência ao argumentarem, com razão, que esse progresso nacional não vai eliminar o fosso entre brancos e negros porque os dois grupos vão aumentar seus QIs.
Mas seus críticos fazem duas ressalvas. Primeiro, o efeito Flynn mostra que é possível mudar o QI; segundo, o ingresso de grandes contingentes de negros na classe média norte-americana é fenômeno recente, de só uma geração, e ainda é cedo para se observar seu efeito sobre o QI coletivo.
Além disso, embora aceitem a existência do ``efeito Flynn", Murray e Herrsntein também afirmam que o fato de os menos inteligentes se reproduzirem em maior quantidade do que os mais inteligentes está provocando a diminuição progressiva do QI nacional, o que constitui contradição.
(CELS)

``The Bell Curve" (The Free Press) pode ser encomendado à livraria Cultura 2073, tel. 011-285-4033, São Paulo

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