São Paulo, domingo, 30 de outubro de 1994
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A sutileza de Minas

Em silêncio, o eleitor mostrou que desconfia e exige clareza

EDUARDO AZEREDO

Conhecedores da alma mineira, como o poeta Carlos Drummond de Andrade e o escritor João Guimarães Rosa, já definiram Minas Gerais de mil formas. Quase todas, no entanto, sublinham as sutilezas do espírito da gente do nosso Estado, mostrando que elas compõem um mistério quase insondável: ``Minas é palavra abissal", escreveu Drummond.
Essa sutileza fez instalar na cultura brasileira um imenso acervo folclórico sobre os mineiros e sobre a tão falada quanto abstrata ``mineiridade".
Mas, o que há, de fato, é que, por peculiaridades históricas e até mesmo geográficas, forjou-se em nosso território de tão vastas dimensões e diferenciações um povo que, aqui se diz, ``não é desconfiado –apenas desconfia".
Agora, por exemplo, Minas acaba de atestar mais uma vez sua peculiaridade, surpreendendo os brasileiros ao ir para o segundo turno nas eleições para o governo do Estado –quando o contrário era alardeado pela propaganda do meu principal adversário, reverberada por notícias pouco jornalísticas e pesquisas ineficazes.
Em silêncio, com calma e sabedoria, o eleitor de Minas comprovou que desconfia, exige clareza e decide depois de muito ponderar.
Essas eleições indicam que as lições deixadas por falsos messias, como Collor, calaram fundo no sentimento da coletividade, e a semente da cidadania parece estar vingando.
A era da demagogia, do ilusionismo e das falsas promessas está sendo vista pelo eleitor mineiro como miragens no deserto de idéias.
Para a minha campanha, que pautou todo o seu desenvolvimento em pontos muito claros, a passagem ao segundo turno significa, antes de mais nada, que levamos em conta o ``saber desconfiar" próprio dos mineiros.
Em todas as eleições diretas desde 1947 e mesmo a partir da eleição de Tancredo Neves em 1982, o eleitorado de Minas jamais deu ao eleito amplas margens sobre o segundo colocado.
Por isso, a ida para o segundo turno era meta prevista. Se houve surpresa, foi a de analistas renomados que não atentaram para aquela ``Minas abissal".
Contei, pois, com a atitude de responsabilidade inerente ao mineiro; e não falo apenas do eleitor, com mais escolaridade, melhor informado e de opinião mais articulada, mas também do eleitor simples e humilde que, no dizer de Guimarães Rosa, ``assunta e toma tento" e só então decide.
Farto de promessas mirabolantes e que não podem ser realizadas, o eleitor mineiro prestou ainda mais atenção à sinceridade das propostas que apresento.
Pude perceber isso no olhar observador e tranquilo das pessoas, quando me dirigia a elas em palestras, encontros e comícios.
No tempo disponível no rádio e TV, propaguei minha plataforma de governo, deixando claro que não faria promessas que não pudessem ser cumpridas, buscando esclarecer aos eleitores como é difícil e complexo governar e administrar a coisa pública.
Só me comprometi em trabalhar muito, todo o tempo, para fazer um governo objetivo visando o desenvolvimento com justiça social, o desenvolvimento com compromisso de também priorizar o atendimento às carências sociais, sobretudo nas áreas de educação e saúde.
O primeiro turno comprovou que o eleitorado está à procura de soluções e resultados. Minha experiência administrativa à frente da Prefeitura de Belo Horizonte, agora referendada pela votação maciça que recebi na cidade, funcionou como importante ponto de apoio para me conduzir ao segundo turno e será levada muito em conta na decisão final dos eleitores de todo o Estado.
Assim, quando anunciei algumas das metas de governo –como a constituição de parcerias com a iniciativa privada e entidades organizadas da sociedade civil para elaboração e execução de projetos comuns, ou ainda o estímulo à formação de consórcios intermunicipais de saúde–, fui ouvido como alguém que falava coisas reais, verossímeis, sinceras, realizáveis e muitas já experimentadas na administração pública.
Prometer a construção de milhares de casas, dezenas de hospitais, centenas de novas estradas atende apenas ao impulso de ilusão, mas no instante seguinte já não engana mais o sofrido povo mineiro ou brasileiro.
A eleição de Fernando Henrique Cardoso já no primeiro turno sinalizou importantes modificações no perfil do eleitor rural ou urbano. Sinalizou uma atitude de maior racionalidade na escolha eleitoral.
Neste segundo turno, reduzida a disputa às duas candidaturas mais votadas, esse discernimento será aguçado pelos encontros em todo o Estado e também pelos debates, até então recusados pelo total silêncio do meu adversário.
Agora, mais atento à campanha, que no primeiro turno naturalmente focalizou a disputa presidencial, o eleitor mineiro vai refletir ainda mais. E a vitória não virá apenas de possíveis méritos que minha candidatura possa ter, mas dos méritos do eleitor de Minas Gerais e seu insondável pensamento. O qual só se revela aos que respeitam a sua autenticidade.

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