São Paulo, segunda-feira, 31 de outubro de 1994
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`Caçador Mágico' brinca com o destino

CHRISTIAN PETERMANN

"Caçador Mágico" brinca com o destino
David Bowie co-produz o novo filme da húngara Ildikó Enyedi, ganhadora do prêmio Camera d'Or em Cannes/89
Apesar de estar ainda em seu segundo longa-metragem, já é possível afirmar que a diretora húngara Ildikó Enyedi tem uma obsessão (poética, diga-se) com as ironias do destino e suas consequências na vida de pobres e indefesos mortais.
Ela desenvolve em ``O Caçador Mágico - A Sétima Bala" algumas idéias já presentes em sua estréia, ``Meu Século 20", premiado com a Câmera de Ouro no Festival de Cannes de 1989. Nesse filme, duas gêmeas são separadas quando pequenas por viverem em condicões miseráveis, reencontrando-se apenas já adultas e amantes do mesmo homem.
Uma se tornou prostituta; a outra, anarquista. Enyedi criou ali uma fábula sobre um mundo em mutação, em que os seres são peças de um tabuleiro maior.
Esta brincadeira com o rumo de seus personagens é acentuada em ``O Caçador Mágico", cujo roteiro é co-assinado pela diretora. Ela exige do espectador uma mente sem preconceitos para que este mergulhe em uma "obra aberta", uma fantasia delirante que aos poucos joga seus vários elememtos e nunca promete formar um conjunto de leitura única.
Intercalando uma situação contemporânea em Budapeste (um atirador profissional da polícia recebe sete balas mágicas, que nunca erram a mira, para proteger famoso enxadrista russo) com uma trama na Idade Média (uma alegoria religiosa e cômica sobre o Bem e o Mal), Enyedi elabora um discurso pessoal para divagar sobre a circularidade do tempo, escolhendo como narradora/cúmplice onipresente a filha do policial.
Aos poucos percebe-se que a história evolui pelos olhos da criança, e como tal, tudo pode ser apenas uma visão inocente e desconecta dos fatos.
O fatalismo presente em cada cena recebeu um tratamento estético elaborado. A belíssima trilha sonora de Gregorio Paniagua mescla texturas renascentistas e românticas com composicões líricas do alemão Carl Maria von Weber.
A cultura alemã, aliás, manifesta-se através de poemas recitados em ``off" e do uso das sete balas mágicas (recorrente em histórias infantis da tradição germânica). Já a fotografia de Tibor Mathe combina à perfeição com a narrativa e recorre ao excesso (câmera acelerada, travellings, angulações nervosas) para permitir ao espectador contruir um quebra-cabeças pessoal com esses elementos.
O mergulho na magia da história é prazeroso caso não se exija uma trama mastigada e decodificada. De outra forma, nunca se entenderá o que levou David Bowie a ser um dos produtores executivos da fita. Bowie deve ter sentido o talento que Enyedi tem para nos oferecer.

Filme: O Cacador Mágico – A Sétima Bala (Magic Hunter/BuvõsVadász)
Producão: Hungria/Suíca/Franca, 1994, 105 min.
Direcão: Ildikó Enyedi
Elenco: Gary Kemp, Sadie Frost, Alexander Kaidanovsky
Onde: Masp (Grande Auditório), hoje, às 19h; Cinesesc, quinta, 18h
Língua: em inglês sem legendas

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