São Paulo, quarta-feira, 2 de novembro de 1994
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Estilistas revisitam estética de Fellini

CELSO FIORAVANTE
DA REDAÇÃO

Estilistas revisitam estética felliniana
Curador Samuele Mazza fala sobre relação entre o cineasta e a moda e anuncia vinda de sua mostra de sutiãs ao país
O italiano Samuele Mazza, 34, é dono de idéias bizarras. Recentemente, conquistou Paris com uma mostra de 200 sutiãs criados exclusivamente para o evento. Simultaneamente, homenageou o cineasta Federico Fellini –morto no dia 31 de outubro do ano passado– com uma mostra de figurinos de seus filmes e criações de 18 das maiores grifes e estilistas do mundo inteiro, cuja inspiração era a simbologia e os personagens fellinianos.
Colaboraram estilistas como Martin Margiela, Versace, Valentino, Thierry Mugler, Vivienne Westwood, Dolce e Gabbana, Rifat Ozbek e outros
A mostra "Fellini: i Costumi e le Mode" foi organizada e inaugurada no Museu de Arte Contemporânea da cidade de Prato, na Toscana (Itália). Já passou pelo museu Stedelijk, em Amsterdã, e está atualmente em Helsinque, na Finlândia. A de sutiãs deixou Paris. Vai para Marselha, na França, e –segundo Mazza– virá ao Brasil em junho do próximo ano (leia texto abaixo).
Em entrevista exclusiva à Folha, de Florença, por telefone, Samuele Mazza revelou o porquê de sua paixão por sutiãs e falou sobre as relações que vê entre a obra de Fellini e a moda.
Folha - Qual era sua intenção ao fazer uma mostra de sutiãs?
Samuele Mazza - Considero o sutiã uma arquitetura porque tem uma verdadeira função. É um estranho instrumento que –diferentemente das outras peças do vestuário– tem uma função estática e dinâmica. Me interessa tudo o que emerge da linguagem do corpo.
Folha - E como veio a idéia de uma mostra sobre Fellini?
Mazza - Fellini é meu grande mestre. Eu queria que ele escrevesse alguma coisa para os catálogos de minhas mostras. Ele havia concordado, mas morreu, e então eu decidi fazer esta homenagem. Idealizei uma mostra em que os maiores estilistas do mundo criaram peças de figurino inspirados nas imagens, nos personagens, na simbologia felliniana.
A mostra traz ainda figurinos originais de seus filmes. Tiramos seus corpos e mostramos sua superfície. Em outra sala, colocamos todos os rostos de personagens do maestro, sem corpo. Separamos as duas coisas.
Folha - Mas os figurinos de Fellini significam alguma coisa sem seus personagens?
Mazza - O corpo era importantíssimo para Fellini e chegava a anular os figurinos. Nós separamos as duas coisas. Nossa intenção não era fazer uma mostra sobre Fellini, mas sobre fellinianos, neste caso figurinistas como Danilo Donati, Gabriella Pescucci, Maurizio Millenotti... E também sobre como os estilistas criariam hoje figurinos para os personagens de Fellini, sempre em uma dimensão imaginada, sugerida.
No final da mostra, depois de percorrer esta passarela suspensa no ar e de cruzar todas essas figuras, o espectador cai em uma grande sala, com espelhos deformantes, e se torna então personagem da mostra, em uma dimensão felliniana.
Folha - Fellini era influenciado pela moda ou criava sua própria moda?
Mazza - Seus filmes não pregavam uma "moda". Fellini criava "moda" a partir do momento em que idealizava certos personagens. Ele tinha muitos problemas com seus estilistas, como Danilo Donati. Fellini liberou a mulher, deu-lhe o direito de ser exagerada, agressiva, grotesca, feia, forte. Antes era diferente. A mulher de Visconti, por exemplo, era mais fechada, elegante, amorfa, etérea...
No filme "Roma", por exemplo, Fellini incluiu aquele desfile eclesiástico. Foi o primeiro. Antes dele, qualquer citação ao eclesiástico era considerada blasfêmia.
Folha - A relação de Fellini com as mulheres, tão evidente e marcante em todos os seus filmes, não pressupõe uma relação intensa também com a moda?
Mazza - Fellini criava ícones femininos, como Madonnas. E o figurino perdia importância em relação às suas grandes tetas e às suas grandes bundas. Ele as amava e as detestava ao mesmo tempo, tanto que se casou com Giulietta Masina, que era totalmente diferente dessas suas mulheres. Era atraído pela mulher, mas estabelecia uma relação de medo com uma mulher exageradamente feminina.
Folha - A simbologia felliniana não seria contrária à moda, já que a esta só se torna moda a partir do momento em que estabelece algum tipo de consenso?
Mazza - Como na produção de Fellini, a moda também é uma tentativa de sair do padrão standard da sociedade. Os estilistas também procuram figuras que proponham algo fora do normal.
Folha - O lado irônico e o exagero dos personagens fellinianos não eram uma crítica à moda estabelecida?
Mazza - Fellini fazia isso, como em "Oito e Meio" e em "A Doce Vida", mas, ao contestar a moda, também carregava seus personagens de estilo e os repropunha. Era uma relação conflituosa, mas que inspirava os outros. Fellini era um artista e, como tal, estava em constante conflito.

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