São Paulo, quinta-feira, 3 de novembro de 1994
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Caixa faz arqueologia de Woodstock

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

Engana-se quem pensa que o festival de Woodstock foi apenas uma lagoa de lama na qual chafurdou a primeira juventude da aldeia global. Além de instantes musicais fracos, três traqueotomias e 450 vacas convivendo em paz com pelo menos 300 mil maconheiros, o evento realizado em agosto de 1969 na fazenda do agricultor Max Yasgur, perto de Nova York, proporcionou um brejo de ruídos e microfonias agora posto à luz com o lançamento da caixa "Woodstock, the Twenty-fifth Anniversary Collection" (Atlantic)
São quatro CDs cujo material tem, em sua maioria, mais interesse antropológico do que estético.
As gravações foram coletadas pela equipe do célebre documentário "Woodstock", dirigido por Michael Wadleigh. O cineasta filmou 120 horas de negativo para chegar a três horas de metragem.
A equipe de som, chefiada pelo produtor Eric Blackstead e dois engenheiros, gravou 54 horas ao longo de três concertos com 18 horas cada. O equipamento era um gravador de oito canais, instalado ao ar livre e sujeito às intempéries.
O resultado técnico foi sofrível. Mesmo assim, Blackstead lançou na época pela Atlantic o álbum triplo "Woodstock". Eram 21 faixas mais do que pinçadas e remixadas.
"Gravar a música em Woodstock foi um desafio de complexidade sem precedentes, pois exigiu um nível de resistência do homem e da máquina nunca experimentada em um local de gravação", escreveu Blackstead.
A nova edição procurou corrigir parte do fracasso técnico. O produtor da caixa, Gary Olazabal, remixou digitalmente as faixas originais e incluiu outras 16.
O volume vem acompanhado de um encarte de 20 páginas com fotos, frases, uma lista de números do festival, uma cronologia de fatos importantes do ano de 1969 e um texto do crítico David Fricke, da revista "Rolling Stone".
O elenco dos números cita o público (400 mil), os pagantes (186 mil), as vacas, as "bad trips" com LSD (400) e os preços da mescalina (US$ 4) e da onça de maconha (US$ 15).
O arqueólogo do pop encontra nos discos mais motivos de gozo desmitificado. É curioso notar como o guitarrista Jimi Hendrix (1942-1970) se encontrava numa manhã infeliz quando fechou o festival. Quase todo o público tinha ido embora (restavam só 180 mil) e Hendrix tropeçou e discursou em "Voodoo Chile" e "Stepping Stone", músicas que não constavam do álbum original.
O grupo dançante Sha Na Na era a pior coisa do original em "At The Hop". Mas agora perde para uma criatura chamada Melanie, que desafina e bajula o público em "Beautiful People".
A edição de aniversário vale pela amostragem extra do acid rock. Há faixas inéditas do Jefferson Airplane ("Somebody to Love" ganhou versão bêbada de Grace Slick), três de Janis Joplin e quatro do Creedence Clearwater Revival. Janis e Creedence não figuraram na primeira edição. São responsáveis pelo maior impacto musical de Woodstock.
O resto dói de ouvir. A declaração que resume o festival mencionada no encarte é do cantor e compositor Robbie Robertson, de The Band na época. Disse Robertson em 1989: "Nunca achei que foi uma experiência musical espantosa. Como no filme, a música era apenas parte da diversão". A caixa demonstra o que o mundo já sabe. Woodstock sintetizou a chatice de uma geração.

Disco: Woodstock
Lançamento: Warner/Atlantic
Quanto: R$ 80,00 (a caixa, em média)

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