São Paulo, sábado, 5 de novembro de 1994
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Estado, mercado e função pública do Banco do Brasil

ALCIR AUGUSTINHO CALLIARI
"SE O ESTADO É FORTE, ESMAGA-NOS. SE É FRACO, PERECEMOS".

(Paul Valéry)
A hora é de repensar o presente e o futuro. Um conjunto de transformações políticas, tecnológicas e econômicas, em escala mundial, sugere redefinições urgentes. Isso implica, diretamente, a revisão de alguns papéis do Estado e a modernização de sua estrutura e de suas relações com a sociedade.
Um Estado moderno deve servir ao público e não a uma minoria. Deve ser ágil e eficiente e não apenas um peso para o contribuinte. Um Estado transparente, confiável, digno de credibilidade. Um Estado capaz de intervir positivamente nas áreas essenciais para gerar desenvolvimento e justiça social. Capaz de assegurar sólida infra-estrutura econômica, social e tecnológica. E competente, para otimizar o uso dos recursos públicos.
O fato é que, nos últimos anos, ganhou grandes proporções o discurso da suspensão de todos os controles, da inibição total do Estado, da privatização ampla e irrestrita, da lei da oferta e da procura como norma suprema etc. Entretanto, não se pode invalidar aspectos essenciais da relação entre Estado, economia e sociedade.
Não caberia aqui discorrer e debater sobre os caminhos que conduziram ao esgotamento do poder de regulação do Estado brasileiro, pois existe outro ponto que considero fundamental: a presença estatal no sistema financeiro.
Em países como o Brasil o sistema financeiro necessita da atuação firme das instituições oficiais no direcionamento dos recursos públicos a programas de desenvolvimento.
O Banco do Brasil, por sua natureza, tem especial cuidado no sentido de compatibilizar o objetivo do lucro com funções sociais, papel desempenhado por esse tipo de instituição até mesmo em países tradicionalmente liberais.
Na Alemanha, 50% das operações de crédito são realizadas por bancos públicos. Esses bancos contribuíram decisivamente para a desconcentração da riqueza nacional, para a fixação do homem à terra e para a eliminação dos desníveis socioeconômicos frequentemente verificados entre regiões. No Japão, as instituições governamentais detêm cerca de 30% da fatia de mercado.
Não existe qualquer tendência mundial no sentido de que os governos venham a abrir mão de seus bancos públicos, em razão do relevante papel que exercem no desenvolvimento da economia.
O formato institucional do sistema monetário e financeiro nos Estados Unidos, Alemanha, França, Japão, Reino Unido, Coréia, Taiwan e outros revela que esses países têm instituições especializadas de financiamento do desenvolvimento.
No caso do Brasil, o Estado ainda tem de desempenhar papel ativo na busca de objetivos de política econômica, de curto e longo prazos. Considerando que o financiamento é preponderante para viabilizar o crescimento econômico, que o fortalecimento do crédito é necessário para que os planos de desenvolvimento atinjam plenamente seus objetivos, não se pode desconhecer a importância das instituições financeiras públicas na consolidação de tais ações.
Qualquer discussão sobre as funções do Banco do Brasil e demais bancos públicos merece a participação de toda a sociedade, beneficiária final ou não do processo.
A regulação da interferência política, a qualidade da gestão pública, a formação de bases éticas para evitar corrupção, desmotivação e baixa produtividade constituem fatores decisivos para que o Estado possa operar em um mundo cada vez mais complexo e corresponder plenamente às expectativas e necessidades da sociedade.
No entanto, quando o tema diz respeito a avaliar os impasses do Estado, são raras as análises desapaixonadas e consistentes. São lamentáveis, para o debate público, a veiculação de artigos e matérias pela imprensa baseadas no prejulgamento, recheadas de chavões, clichês e com equívocos graves na apuração e interpretação de dados.
Não se trata de adotar postura arrogante e nem atitute "blasé" diante das críticas, mas expresso aqui o desejo de que os temas sejam recolocados em bases mais racionais, evitando falsos dilemas, dicotomias simplificadoras e generalizações apressadas.
É tamanho o grau de ressentimento em relação ao Estado que gera uma discussão irracional. Sob esse clima, sentindo-se acuados, segmentos do setor público adotam posição de rechaçar quaisquer questionamentos. O debate, necessário e ainda inexistente, requer interlocutores equilibrados e argumentos consistentes.
Quanto ao dilema proposto por Valéry, na abertura desse artigo, creio que entre o Estado mínimo e o Estado forte, mais importante é o Estado necessário, aquele dimensionado para cumprir bem seu papel junto à sociedade. Nem mais, nem menos.

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