São Paulo, domingo, 6 de novembro de 1994
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Drogas às claras

Pesquisa divulgada esta semana pelo Ministério da Justiça sobre o consumo de drogas entre jovens, realizada em dez capitais, mostra claramente que a atual política para a questão não vem produzindo os resultados desejáveis.
O número de estudantes de primeiro e segundo graus que usou cocaína pelo menos uma vez aumentou 71% entre 1989 e 1993, indo de 0,7 para 1,2%. Já o montante dos que fumaram maconha pelo menos uma vez subiu de 3,4% em 89 para 4,5% em 1993.
A queda no número de estudantes que usaram algum tipo de droga (26,3% em 89 contra 22,8% em 93) é relativizada por pesquisadores, pois os índices permanecem acima dos de 87 (21,1%), data do primeiro levantamento do gênero.
A pesquisa mostra com clareza que a atual política de combate ao uso de drogas –baseada principalmente na repressão– deixa muito a desejar. E a situação se torna ainda mais preocupante quando se considera que um dos fármacos cujo consumo mais cresce é justamente a cocaína e seus derivados.
Diante das insuficiências da atual estratégia, já é tempo de a opinião pública começar a debater propostas alternativas. Como esta Folha vem reiterando neste espaço, já é hora de a sociedade civil passar a discutir com serenidade, isenção e sem falsas hipocrisias os prós e os contras de uma eventual descriminalização do uso das drogas.
E quem defende a descriminalização não é um bando de hippies –como se poderia supor–, mas economistas (entre os quais dois prêmios Nobel) da escola de Chicago, meca da ortodoxia econômica. Segundo essa abordagem, a proibição cria oportunidades de lucro extraordinário, resultante de uma escassez forçada, sem eliminar a demanda. É como se existisse um imposto associado ao ilícito. Com imenso poderio econômico, os traficantes corrompem autoridades e lançam mão do mais moderno arsenal que o dinheiro pode comprar, gerando muita violência, como ocorreu entre 1920 e 1933 nos EUA, à época da Lei Seca.
Na outra ponta, o viciado –visto pela lei brasileira como um criminoso e não como um doente– está completamente desassistido. É capaz de cometer furtos e roubos (muitos deles com vítimas) para sustentar seu vício. Mais violência.
Como na discussão sobre o aborto, há uma realidade que não pode ser ignorada: trata-se de um problema de saúde pública. Antes de condenar como criminosos os que se envolvem nesses atos, é preciso atentar para a sua condição de pessoas que precisam de auxílio.
Se drogas fossem liberadas e impostos sobre seu consumo fossem recolhidos, o Estado poderia reduzir despesas com a repressão e ganhar uma fonte de receitas. Estas por sua vez poderiam ser usadas em amplas campanhas de prevenção e na recuperação de viciados. Ademais, seria mais fácil controlar a venda, impedindo que menores de idade consumissem tóxicos.
Um debate sereno jamais causou mal a ninguém e muitas vezes traz bons resultados. O que não se pode admitir é que nossos jovens continuem a se envenenar enquanto mafiosos acumulam verdadeiras fortunas. É preciso discutir alternativas à atual estratégia de combate ao narcotráfico. E é urgente.

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