São Paulo, domingo, 13 de novembro de 1994
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Racismo, educação e eugenia

OSWALDO FROTA-PESSOA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quem tem pais altos tende a ficar mais alto do que as pessoas cujos pais são baixos; mas nem sempre, pois nisso interferem também a nutrição e o exercício. A estatura do adulto resulta, portanto, de fatores genéticos, combinados com fatores ambientais.
Coisa parecida ocorre com a inteligência. As pessoas obtêm resultados melhores ou piores nos testes de quociente intelectual (QI) conforme os genes que receberam dos pais e a vida que levaram, principalmente quanto a nutrição e educação.
Posto isso, surgem duas perguntas: populações de raças diferentes, por exemplo negros e brancos, apresentam, em média, o mesmo nível de inteligência? Se não, a discrepância decorre dos genes ou do ambiente?
Charles Murray e Richard J. Herrnstein publicaram, na revista "The New Republic" de 31/10/1994, um resumo do livro que acabam de lançar sobre o assunto, "The Bell Curve" (A Curva do Sino). Suas idéias são incisivas e coerentes, mas albergam tendenciosidades.
Dois trabalhos que eles citam sugerem que o QI médio dos chineses e japoneses supera o dos brancos, mas um terceiro, feito com melhor técnica, não encontrou discrepância. Apesar disso, eles dizem que "em nosso julgamento, o confronto da evidência apoia a noção de que a média geral dos asiáticos do Leste é maior que a média dos brancos". Reconhecer a superioridade dos asiáticos, mesmo em bases precárias, dá aos autores uma aura de isenção, que lhes empresta credibilidade na discussão da discrepância entre negros e brancos.
Na maioria dos estudos publicados, os negros americanos obtiveram QI médio inferior ao dos brancos. Segundo os autores, no conjunto de 156 pesquisas feitas neste século nos Estados Unidos, a discrepância foi de 16 pontos de QI (100 pontos é a média dos brancos). Selecionando-se 24 estudos feitos depois de 1960, a discrepância média continuou a mesma.
Admitindo como real a diferença de QI médio, resta saber se ela resulta, em parte, de variações raciais da predisposição genética ou apenas de fatores ambientais. Depois de analisar prós e contras, os autores arriscam uma opinião: "Parece-nos improvável –embora seja possível– que os genes não desempenhem nenhum papel" nessa diferença. Quando a evidência é dúbia, a impressão dos estudiosos segue um pouco suas convicções ideológicas. Pesquisadores igualmente ilustres podem "achar" improvável –embora seja possível– que os genes tenham algo a ver com isso. Para decidir a questão é preciso esperar pesquisas mais cruciais.
Um ponto obscuro no artigo é o seguinte: se houvesse, nos Estados Unidos, igual número de brancos e negros, a discrepância em QI, seja ela genética ou ambiental, não chamaria atenção, pois o número de negros com QI alto seria grande, embora um pouco menor que o de brancos. Como apenas 1/7 da população é de negros, a desproporção entre o número de brancos e negros com QI alto é enorme, e "as consequências sociais disso são igualmente enormes". Que consequências? Mesmo que os asiáticos radicados nos Estados Unidos tenham maior QI médio, eles também serão ínfima minoria nas faixas altas de QI por serem fração pequena da população do país: e isso não constitui nenhuma tragédia social.
O leitor deve estar querendo saber se os autores são ou não racistas. Eles forçam as interpretações para concluir que as discrepâncias de QI são mais genéticas do que ambientais, mas essa opinião, em si mesma, embora comum entre racistas, não é diretamente discriminatória. Mais típico do racismo é a violenta crítica que os autores fazem dos programas de educação compensatória para negros, como o Head Start, sob o pretexto de que esses programas só conseguem elevar alguns pontos no QI dos alunos; como se seu objetivo fosse aumentar QI, quando é, simples e nobremente, educar.
Há também uma veladíssima sugestão de controle da reprodução dos negros com fins eugênicos na ambígua frase: "Só porque possa haver uma diferença genética entre grupos na presente geração, não quer dizer que ela não possa diminuir (...). Depende de que mulheres, pertencentes a que grupos tenham quantos bebês com que idades."
O artigo termina com uma profissão de fé individualista: devemos julgar uma pessoa exclusivamente por seus atributos pessoais. O que interessa é o QI da pessoa, não o QI médio do grupo étnico a que pertence. Este é um lema simpático, que respeita os direitos individuais, mas contraria o sistema de quotas vigente nos Estados Unidos, que reserva para os negros, mesmo preterindo brancos mais capazes, um números de vagas para ingresso à universidade e para emprego, que é proporcional à fração por eles representada na população.

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