São Paulo, segunda-feira, 14 de novembro de 1994
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Perto dos EUA, o Brasil é um país sério

MARCELO PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Talvez eu seja a única alma viva que não tenha gostado de "Pulp Fiction", o novo filme de Quentin Tarantino, um sujeito alto, magro, meio bobão, com a voz de dublador de desenho animado. "Pulp Fiction" é a estória de... deixa pra lá. A estória de "'Pulp Fiction" é secundária.
Segundo os críticos, o diálogo é o ponto alto do filme. Num determinado momento, o mais vivo que nunca John Travolta diz que o McDonald's francês serve cerveja no copo, e chama "quarteirão com queijo" de "cheese royal". A platéia se engasga de rir e, pimba, "Pulp Fiction" papa o grande prêmio do Festival de Cannes, França, de 1994.
Uma parceria minha chorou na cena da "tortura". Imaginei levá-la para conhecer os porões do Deic. Um chegado meu adorou a cena em que os personagens fumam no café da manhã. Entre os meus amigos, 85% fumam no café da manhã. Eu fumo no café da manhã e nunca ganhei uma guimba ou um cinzeiro de Cannes. Talvez eu não entenda nada de nada. Talvez você deva ler o que os críticos têm a dizer do filme. Críticos entendem mais deste mundo do que eu.
Um grupo de feministas acadêmicas –e o que tem de feminista por aqui...– discutia como as mulheres têm conquistado seus direitos, têm eleito suas representantes no Congresso, mas o ato sexual permanece uma simulação de estupro, em que o pênis penetra no delicado corpo feminino. E ninguém riu. Por pouco não me levantei e decretei: "A partir de hoje, é a vagina que envolve o pênis!" O debate acadêmico daqui é o verdadeiro "Pulp Fiction".
Na última eleição, o povo da Califórnia aprovou a proposta 187, que proíbe o acesso de imigrantes ilegais (e filhos) aos serviços públicos de educação e saúde. Dizem que o Estado gasta dinheiro sustentando ilegais. Mas ilegais pagam impostos. Todos sabem que é uma lei inconstitucional, mas ganhou com ampla margem.
O povo dos Estados Unidos acaba de entregar o poder legislativo ao conservador Partido Republicano, o que não acontecia há mais de 40 anos. Cá com minhas verrugas, gostam de "Pulp Fiction", detestam ser penetradas, mas votam contra cucarachas e cucarachinhas nas escolas e hospitais. O Brasil é um país seriíssimo perto disso aqui. Me resgatem!

MARCELO RUBENS PAIVA está em San Francisco (EUA) como bolsista da Knight Fellowship, na Universidade Stanford.

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