São Paulo, segunda-feira, 14 de novembro de 1994
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Sexo, violência, poder e decadência fashion

ERIKA PALOMINO
COLUNISTA DA FOLHA

Num editorial de jóias, numa foto uma mulher com as axilas sem depilar aparece de braços levantados, para mostrar sua gargantilha. Na outra, uma pulseira no tornozelo com uma sandália desamarrada tem sangue escorrendo pela perna da modelo.
Assim são as imagens de Helmut Newton. Ele não faz concessões. A atmosfera é decadente, sempre sexual, pesada. Muitas vezes há violência, seja na presença de elementos como revólveres ou sangue, seja no retrato de mulheres largadas em camas, sugerindo atos de violência física ou sexual.
Foi a partir do final dos anos 70 que Newton se tornou mais radical, o que coincidiu com a ascensão internacional do feminismo. Assim, suas fotos foram acusadas de sexistas e misóginas e ele próprio de diminuir ou subjugar a tal condição feminina.
Mas não é fraca a mulher de Newton. É poderosa, forte, mulher de verdade. E que gosta do poder. Mesmo envolta em todo o voyeurismo característico da obra de Newton, o ponto de vista da foto é sempre da mulher. Tanto que um dos livros mais importantes do fotógafo de chama "The World Without Men" (o mundo sem homens) e por fotos como a da mulher na praia (veja na página 5-1).
A feminilidade de Newton penetra também no território da androginia. Como na clássica imagem do smoking de Yves Saint Laurent, de 1979 (o hype de Newton é tão forte que responde pela corrente recuperação do próprio YSL e do smoking como tendência em todo o mundo). Nela, uma mulher de terno acende o cigarro de outra mulher.
Posetriormente, em seu livro, Newton repetiu a essência da foto e reforçou seu conteúdo erótico, ao levar a cena para a rua e colocar uma modelo nua, de chapéu, ao lado da mulher de smoking.
Contra o uso simples do estúdio, Newton elege locações e objetos de cena inusitados. Numa galeria de arte, um homem observa uma mulher nua junto a animais empalhados –outro fetiche clássico do fotógrafo. Em outro editorial histórico para a "Vogue", roupas de grife são mostradas em mulheres durante consultas médicas e radiografias.
Descubra você mesmo o que tem de Newton na moda e na fotografia atual (Juergen Teller, Nick Knight e Ellen von Unwerth são alguns dos fãs assumidos). Salto alto, sandália de tira, meias soquete, maquiagem reforçada e olho fumê, boca vermelha, unha pintada, biquínis e, na parte técnica, o uso do flash redondo, acoplado à máquina, do tipo médico, usado por dentistas e cirurgiões. Ele consegue o efeito de "chapar" a imagem e confere olhos vermelhos aos modelos (outro truque de Newton é trabalhar ao ar livre no horário do meio-dia para obter sombras mais intensas).
Mas Newton não faz só parte do passado. Ele continua e, de fato, ainda causa furor. Este ano, chamou a atenção com a publicidade da marca italiana Anna Molinari Blumarine, com a supermodel alemã Nadja Auermann, uma Newton lady por excelência.
Voltou a trabalhar com ela no polêmico editorial sobre pernas na revista "Vogue" América. Na foto mais forte, Nadja encarna uma Leda, deitada com uma camisola preta curta numa cama de lençóis brancos, tendo um cisne sobre seu corpo. Cartas para a redação da "Vogue": algumas leitoras se sentiram "ofendidas".
Como disse o próprio Newton, ele nem liga. Ainda bem.

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