São Paulo, quarta-feira, 16 de novembro de 1994
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Metade de Itapuí usa calmantes

LUIZ MALAVOLTA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM ITAPUÍ

Metade dos 10 mil habitantes da cidade de Itapuí (330 km a noroeste de São Paulo) se tornou dependente de calmantes, medicamentos cuja venda é controlada.
A constatação aparece em um levantamento realizado nos últimos 12 meses pela Diretoria Municipal de Higiene e Saúde.
Os principais motivos, segundo o diretor municipal de Saúde, Rui Carvalho, 41, são o estresse, o desemprego e problemas familiares.
"Literalmente, 50% da população da cidade, durante anos, passou a se drogar para escapar de problemas do cotidiano", disse.
As quatro farmácias da cidade chegaram a vender legalmente, com receita médica, 7.500 comprimidos de tranquilizantes por mês.
O campeão de vendas, segundo as farmácias, é o calmante Lexotan, fabricado pela Roche, cuja caixa com 20 unidades custa R$ 3,30.
"É um dos calmantes mais fortes e baratos que existem hoje no mercado, com venda controlada", disse o auxiliar de farmácia Paulo Monteiro, 24.
Outros tranquilizantes mais procurados são Librium, Psicosedin, Tensil, Somalium, Valium, Diempax, Valix, Diazepan e Lorax.
O farmacêutico Sílvio Almeida Prado Roque, 64, disse que sempre manteve estoques de calmantes por causa da grande procura.
"Sempre achei estranho a grande procura. Mas como era receitado pelos médicos, nunca questionei o fato", disse Roque.
O alto consumo desse tipo de medicamento acabou se transformando em tese de pós-graduação em saúde pública da psicóloga Ana Maria Rodrigues na Unaerp (Universidade de Ribeirão Preto).
Junto com Carvalho e a médica Lúcia Elena Leite, Ana Maria Rodrigues fez um levantamento das causas do consumo de tranquilizantes em Itapuí. O levantamento serviu de base para a tese elaborada pela psicóloga.
Ela diz que o uso de calmantes na cidade é muito maior que a média do Estado apurada nas décadas de 70 e 90.
Em 77, segundo levantamento feito pela USP (Universidade de São Paulo), 12,2% dos paulistas consumiam algum tipo de psicotrópico.
A mesma pesquisa realizada em 90 constatou que o consumo havia caído para 10,1% entre os moradores do Estado.
A psicóloga diz que a recessão econômica teria provocado uma queda no consumo de tranquilizantes pelos paulistas.
O mesmo não ocorreu em Itapuí, onde o consumo aumentou em função da crise econômica e de problemas familiares e o estresse.
A cidade vive quase que exclusivamente da agroindústria da cana, que oferece mais emprego na zona rural do que na cidade.
"Impotentes diante dos problemas do cotidiano, os moradores de Itapuí acabaram recorrendo aos calmantes para enfrentar a situação", disse Carvalho.
A pesquisa realizada pelo setor de saúde concluiu que 72,29% dos usuários desses medicamentos eram mulheres.
A maioria dos consumidores-dependentes dos medicamentos tem entre 30 e 39 anos de idade, afirma Carvalho.
O trabalho revelou que 41% das mulheres procuraram calmantes para resolver problemas de ansiedade –20,95% para dormir.
Já entre homens, 14,19% usaram calmantes para poder dormir e 7,43% para resolver problemas com estresse e ansiedade.
A pesquisa mostra que 41,32% das mulheres recorreram aos calmantes para enfrentar problemas econômicos e o desemprego.
Esse mesmo motivo levou 18,92% dos homens da cidade a buscar nos medicamentos a solução para seus problemas.

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