São Paulo, domingo, 20 de novembro de 1994
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A poesia mínima de Bob Creeley

RÉGIS BONVICINO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Robert Creeley é –no momento– poeta residente e professor de humanidades da Universidade de Nova York em Búfalo. Seu mais recente livro de poemas intitula-se "Windows" (editora New Direction, 1988, do qual traduzi "Rodas", "Novo Mundo", "Vida" e "Em Tempo" ora apresentados).
Na antologia "From the other side of the century – a new americana poetry 1960-1990" ("do outro lado do século – uma nova poesia americana", publicada este ano), incluindo de Charles Reznikof (1894-1976) aos mais jovens poetas performáticos como Tina Darragah, Creeley tem sua importância reconhecida: é o autor que abre –como divisor de águas– a terceira secção da abrangente coletânea.
O organizador –o também poeta Douglas Messerli– justifica assim sua escolha: "...o que interessa em Creeley é sua linguagem e o modo como lê (palavra falada) seus poemas, mais do que seus temas, que, geralmente, têm a ver com a história e com a sexualidade. É bastante evidente o impacto de sua poesia sobre os poetas mais novos..."
Creeley não é, portanto, um estreante. Nasceu em 1926 e se lançou nos anos 50 como editor da "Black Mountain Review", que circulou entre 1954 e 57, publicando Charles Olson, Robert Duncan e Larry Eigner, por exemplo. É "catalogado" por uma parte da crítica como neo-objetivista eou poeta da linguagem (vinculado ao grupo de "language poetry", com, entre outros, Michael Palmer).
Além de poeta –que, sob a influência de William Carlos Williams, estreou com "For love" (1962)– Creeley é prosador de ficção e ensaísta. Entre seus livros de ficção: "The Gold Diggers", "The Island" e "Listen". Entre os de crítica. "What is a real poem" e "Selected poems of Whalt Whitman".
Creeley pertence a uma geração que no Brasil lançou a poesia concreta e a neoconcreta e teve seus "independentes": Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos, Ferreira Gullar, Mário Faustino e José Paulo Paes. Existem semelhanças entre o início de Creeley e o dos brasileiros.
A semelhança relevante é a importância conferida a Ezra Pound (exclua-se Gullar, lembrando-se que José Paulo traduziu o "ABC da Literatura"). A maior das dessemelhanças reside na não-menção, por parte de Creeley, de e.e.cummmings. Há também diferenças: "sei que existe uma crescente escola de poesia concreta. Mas, para mim, a tipografia é apenas um modo –em sentido musical– de indicar como eu desejo que o poema seja lido" (entrevista de 1965).
Nm texto de 1965, "A note on Ezra Pound" e seu trabalho era inescapável (...). Nos anos 40, a situação de Pound era –em todos os sentidos– muito depressiva. Para a maior parte dos jovens, ele era simplesmente um traidor, um antisemita, um obscurantista".
Creeley compara o trabalho de Pound ao dos dois poetas modernistas então aceitos: W.H. Auden (padrões de versos repetitivos) e Wallace Stevens ("but again whose use poetry had fallen onto the questionable fact of device"). Em contrapartida, Creeley via nos poemas ("Personae", "Cantos") e nos escritos críticos de Pound ("Make it new" e "ABC da Literatura") estímulos não à cópia, mas à invenção.
Creeley destaca ainda neste pequeno ensaio a importância do método ideogrâmico para a poesia: "ele presentifica mais do que comenta as coisas". E chama a atenção para a definição poundiana de literatura: "linguagem carregada de significado".
Williams foi outra das influências formantes de Creeley: "Sinto que nós, mais novos, temos à mão uma extraordinária experimentação e construção de possibilidades oferecida por Pound Williams e Walt Whitman" (1965).
Por que interessa traduzir Bob Creeley? Porque, embora não privilegiando a visualidade da escrita como recursos estrutural, recusa uma poesia fácil e verborrágica. Além disso, porque numa perspectiva de poesia essencialmente verbal –logopaica–, valoriza questões de ritmo e sintaxe, pensamento e concisão.
Numa cultura, como a brasileira, que confunde até hoje inspiração com confessionalismo, derramamento com conteúdo, experimentação oh! com bobagem ou intimismo com falta de intimidade com a palavra, vale a pena ouvir uma voz dissonante.
Em "A History of modern poetry", o crítico Dick Perkins rastreia as principais caracaterísticas da poesia de Creeley e sua situação relativa: "Enquanto muitos poetas norte-americanos tomavam o rumo do protesto, da confissão, e liberação, com turbulentas emoções e muitos versos, enquanto outros seguiam do "New Critical", Creeley se "reduziu" ao mínimo e ao mundo".
Prossegue: "seus poemas se focam numa metáfora ou num complexo de sentimentos. Frequentemente, suas frases são ilógicas, elípticas e suspensas ao indefinido. Iniciadas delicadamente, com lapsos precisos e medidos, emitem sugestões de significado (...). E conclui: "...dor, esvaziamento, incerteza, –ilha a linha– vão minando o que seus poemas tentam afirmar".
"O estilo de Creely –prossegue Perkins– era considerado "minimalista", significando que, em muitas coisas que os poetas podem ser abundantes, Creeley era esparso e árido. Seus poemas têm pouca ou nenhuma descrição ou história. Ele constrói seus refinamentos e ressonâncias pela justaposição de frases curtas e simples, com manipulações de sintaxe e ritmo, e pela metáfora". O ensaísta chega a comparar, noutro passo, o tom de Creeley com o de Marcel Proust: "The focus of anxiety is the same as in Proust..." (o foco da ansiedade é o mesmo que em Proust).
Bob Creeley: "Penso que cultivo tensões/como flores/nunca bosque onde/ninguém vai...". Frágeis cogumelos, imperceptíveis pétalas, que causam dor. E –contra tudo– mantém a cultura viva.

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