São Paulo, segunda-feira, 21 de novembro de 1994
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Liberais dos EUA se molham na água fria

MARCELO PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Aqui, sujeito bacana é apontado como "liberal". O "bad guy" é o republicano, retrato impreciso de um conservador, antagônico; "careta", como se dizia no passado.
O careta de ontem não é o mesmo de hoje e muda com o passar das andorinhas. Careta era o sujeito que não transava todas, não curtia numa boa e não se amarrava naquilo tudo, sacou? Exemplos: não fumava maconha, não era de esquerda, não admirava Fidel, Godard e Maiakovsky e não planejava viagens para os Andes. Hoje em dia, os não-caretas de ontem acham todos caretas. E vice-versa. Ontem, eu e meu parceiro diretor de teatro (considerado não-careta) vimos passar um garotão cabeludo e colorido, numa bicicleta de madeira colorida, jogando margaridas para todos. Meu parceiro disse: "que falta fazem os anos 60". Sorri com aquela cara imbecil só para concordar, já que este parceiro é recente e não se fazem mais parceiros decentes como antigamente.
Pensei nos 60 e senti falta do meu computador. E adoro meu fax, TV a cabo, microondas e pago caro por um CD, certo de que o disco de vinil é uma merda absoluta, mais fácil de riscar que painel de elevador. Espero ter minha vida salva por "air bag". Talvez eu só prefira as músicas dos 60.
Enquanto todos acreditavam que este país entrava de cabeça no terceiro milênio, pimba, os republicanos ganham as eleições. E não pára por aí. A pena de morte volta em Nova York, as mulheres, que tinham cinco governadoras, têm agora apenas uma e, junto com os negros, perderam muitas cadeiras no Congresso, sem contar com as leis aprovadas pelo voto direto contra imigrantes ilegais, sem falar nos vetos aos planos estatais de saúde popular etc.
Foi um banho de água fria na cabeça dos "liberais", os "gente boa". E ninguém sabe ao certo o que aconteceu, ou de quem é a culpa. E quem sou eu para explicar a surpreendente virada de mesa. Após Clinton, a economia americana melhorou, o susto japonês se foi, a recessão acabou, melhorando a vida de muitos e criando novos empregos. Mas votaram contra ele. Talvez estejam vendo muita TV e queiram um pouco de emoção, ou contradição, ou conflito, como num filme de ação. E se prepare: já vai ter gente dizendo "que falta fazem os 90".

MARCELO RUBENS PAIVA está em San Francisco (EUA) como bolsista da Knight Fellowship, na Universidade Stanford.

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