São Paulo, quarta-feira, 23 de novembro de 1994
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A moeda e o real: as aparências enganam

MARCELO ALLAIN

Muito se discutiu, desde o anúncio do real, a respeito dos limites para a quantidade de moeda. Preocupava diversos analistas a possibilidade da emissão monetária pelo Banco Central (Bacen) superar um teto estabelecido na medida provisória que criou o real. No entanto, a análise apenas da quantidade de moeda na economia como indicador de sucesso, ou não, da estabilização é míope.
Os planos de estabilização lograram baixar rapidamente a inflação de uma economia sempre ocasionaram um forte crescimento da quantidade de moeda, fenômeno este chamado monetização.
Uma comparação quantitativa da monetização nos quatro meses seguintes ao início dos planos Cruzado, Collor e Real mostra que a expansão da base monetária (emissão primária de moeda) no Real (263%) foi intermediária ao comportamento nos planos Cruzado (121%) e Collor (479%), e que o crescimento dos meios de pagamento (M1) no Real (172%) foi o mesmo do Cruzado (173%) e bastante inferior ao Collor (419%). Esta desproporção entre o aumento da base monetária e de M1 no Real deveu-se ao maior aperto de liquidez, via compulsório marginal de 100% sobre depósitos a vista.
Esta análise é útil como indicativa das diferentes magnitudes do fenômeno de monetização da economia. Não esclarece, no entanto, importantes distinções qualitativas entre as duas tentativas de estabilização e o Plano Real. Para tanto, é necessário analisar os fatores condicionantes da expansão monetária, visando diagnosticar a origem do crescimento da oferta monetária.
Há basicamente quatro fontes de variação da base monetária: a) a conta do Tesouro Nacional no Bacen, que expande a base quando o Tesouro gasta mais do que arrecada; b) as operações com títulos públicos federais, contraindo a moeda quando há colocação de títulos; c) as operações com o setor externo, que expandem moeda quando o Bacen compra dólares no mercado cambial; d) as operações com o sistema financeiro, que refletem a utilização do redesconto, depósitos de DER, FAF e fundos renda fixa no Bacen etc.
O gráfico mostra a participação percentual de cada um destes fatores na expansão da base monetária nos quatro meses seguintes aos planos Cruzado, Collor e Real.
Os planos Cruzado e Collor tiveram o Tesouro Nacional como principal fator de expansão monetária, respondendo pela quase totalidade da emissão monetária no Cruzado e por metade da emissão no Plano Collor. O Plano Real, ao contrário, foi o único em que o Tesouro Nacional foi contracionista, retirando moeda de circulação.
As operações com títulos públicos no mercado aberto, que tiveram pequena relevância no Cruzado, foram empregadas no Plano Collor para enxugar a quantidade de moeda da economia. Chama atenção, entretanto, os resgates de títulos públicos no Plano Real, que responderam por quase todo o volume da emissão monetária se descontada a contração do Tesouro Nacional.
Esta é uma das virtudes da monetização do real: à medida que as pessoas buscam maior liquidez, resgatando aplicações financeiras para suas contas-correntes, ocorre uma diminuição do volume de títulos públicos no mercado e um aumento da quantidade de moeda. Isto significa que o governo está trocando um passivo que paga juros (título público) por outro sem remuneração (emissão de reais), o que contribui para reduzir o endividamento público e as despesas financeiras do Tesouro Nacional.
Quanto às operações com o setor externo, o déficit do balanço de pagamentos que se seguiu à experiência do Cruzado reduziu as reservas internacionais e trouxe uma contração da base monetária.
Nos planos Collor e Real, ao contrário, as compras de divisas estrangeiras pelo Bacen contribuíram para a expansão da base monetária. Ressalte-se que as mudanças na política cambial advindas com o real reduziram significativamente a contribuição do setor externo para a emissão monetária em comparação ao primeiro semestre de 1994.
As operações com o sistema financeiro somente tiveram maior expressão como fator de crescimento da base monetária no período Collor, à medida que os haveres financeiros indisponibilizados por aquele plano foram sendo liberados.
A âncora monetária é indispensável para o atual esforço de estabilização. Importa observar que monitorar a quantidade de moeda em circulação na economia é apenas parte desta âncora, sendo essencial controlar a qualidade da monetização. Isto asseguraria que a emissão de reais não se associe a um excesso de gastos públicos, mas esteja vinculada à redução da dívida mobiliária federal, como vem acontecendo nestes quatro meses de real.
Com esta preocupação em mente, a reedição da medida provisória do real estabeleceu limites de expansão da base monetária num conceito ampliado, cuja definição atentará para os fatores de monetização.

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